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Recrutando as cariocas

 

Deve ser obra do famoso peso da idade, porque a cada ano fica mais difícil enfrentar a descompressão, na volta de minha temporada na ilha. Aliás, não costuma ser bem uma descompressão, antes é o seu contrário. Sai-se do sossego da ilha para enfrentar todas as fontes de estresse geradas pela cidade grande e mergulhar onde as coisas estão acontecendo e os destinos nacionais são discutidos e traçados. É meio chato mesmo e faz um bem enorme à saúde a gente passar um bom tempo sem assistir a noticiários de televisão e ler jornais, é uma espécie de spa mental e emocional, uma boa faxina em tanta tralha acabrunhante que não cessam de nos enfiar no juízo.

Mas este ano tem sido diferente, até porque voltei em cima do carnaval, que aqui no Rio está ficando parecido com o da Bahia de antigamente, com a óbvia exceção das escolas de samba. Carnaval de rua, foliões fantasiados, bandas de sopro, todo mundo pulando solto. Na Bahia, antigamente, era assim, o carnaval era livre. Hoje, pelo que ouço e leio, a organização e a condução das grandes empresas em que se tornaram os blocos de Salvador só faltam transformar pular carnaval em ordem-unida e contratar sargentos dos Fuzileiros Navais para enquadrar os foliões - tudo bem, são os tempos. Mas aqui no Rio, o carnaval vem se espalhando pela cidade cada vez mais e tenho a impressão de que o ano, diversamente do que se diz, ainda não vai começar agora. Aguardaremos o feriadão da Semana Santa. Não podemos aspirar a folgar como os deputados, mas também somos filhos de Deus.

Está tudo tão devagar que, honestamente, as notícias mais quentes continuam a vir da ilha e receio que mais uma vez, no centro delas, avulta a figura ímpar de Zecamunista, de quem não esperava falar novamente tão cedo, mas existe o dever do jornalista para com a notícia e ele é notícia. Apesar de cercada de sigilo e precauções, sua visita ao Rio, ainda este mês, está confirmada. O projeto do lançamento nacional dos Bem-te-vis da Pátria aqui no Rio continua a ser desenvolvido e ele me revelou, num dos muitos telefonemas que me tem dado, que, a depender dos contatos a serem feitos, deverá iniciar de pronto a etapa do recrutamento e alistamento, em moldes semelhantes aos dos Voluntários da Pátria, também criados no Rio.

- E você vai participar do alistamento?

- Claro, eu vou coordenar a formação da ala principal, a ala feminina.

- A ala principal é a feminina?

- Evidente. Minha experiência política demonstra que se pode confiar muito mais na militância feminina que na masculina, a mulher é a base dos Bem-te-vis da Pátria. E eu vou coordenar esse setor não é por nada, é porque sempre tive muito jeito para lidar com as mulheres, elas gostam de mim, eu trato todas como boas camaradas. E a mulher carioca, então... Não há brasileiro que não almeje, ou almejado não haja, ou a almejar não venha, a graça do favor de uma mulher carioca! A mulher carioca é a quintessência sublime da sedução feminina, da beleza e do encanto, a mais-valia da natureza, a palavra de ordem do Universo! A mulher carioca...

- Zeca, me desculpe, mas está me parecendo que suas intenções, com esses Bem-te-vis da Pátria, estão mais relacionadas com as cariocas que com o combate à corrupção.

- Tem razão, mas é só a aparência, é que eu me entusiasmo, quando toco nesse assunto. Eu de fato tenho grande admiração pela mulher carioca, isso vem de pequeno, faz parte de minha formação, já deve estar em meu DNA. No meu tempo, a gente chamava mulher gostosa de peixão. Ninguém se lembra disso, mas eu me lembro. Eu pegava a revista O Cruzeiro e passava o dia inteiro vendo as fotos daqueles peixões em Copacabana, cada peixão de desmontar o esqueleto!

- Eu lembro. Os peixões também se chamavam uvas. Ela é uma uva!

- Uva! Isso mesmo! Aqueles peixões, aquelas uvas, as vedetes! Angelita Martinez! Ai! Anilza Leoni! Ai! Íris Bruzzi! Ai! Elvira Pagã! Aaai!

- É, Zeca, parece que vai ser difícil você se concentrar muito nos Bem-te-vis da Pátria, nessa sua estada no Rio.

- Não, você está enganado, é que eu me entusiasmo com facilidade, você me conhece, é meu coração de orador revolucionário. O assunto me empolga e aí eu faço logo um comício, mas claro que os Bem-te-vis da Pátria são minha absoluta prioridade. O bem-te-vi é um passarinho de valentia e dignidade, muito melhor que o tucano, um folgado que só tem bico e pose e faz cocô o tempo todo. Você vai ver a força de nosso movimento.

- É, você ainda não me deu detalhes de nada, só sei que vai haver uma camisa com um bem-te-vi dizendo que está vendo os ladrões.

- Isso é apenas um aspecto, eu tenho muito mais para contar. Mas, antes de mudar de assunto, eu queria lhe fazer uma pergunta: não dá para dizer no jornal que eu sou virgem de carioca? De repente cola e aí vai ver que desperta o espírito de pioneirismo de alguma leitora ou a sede de glória de outra, pode ser que tenha alguma tarada... Enfim, nada de mais, você bem que podia dizer isso no jornal, eu nunca lhe pedi nada.

- Isso não, não fica bem, para isso é melhor a internet. Já os Bem-te-vis da Pátria, tudo bem, são um projeto cívico. Quer dizer que você estará examinando candidatas a alistar-se nos Bem-te-vis. Como é esse exame?

- Ah, é complexo, são vários exames. Mas eu só aplico um.

- Qual é ele?

- O psicotoque. Quem inventou fui eu. Você acha que a carioca...

O Globo, 4/3/2012