Na segunda passada (27), falei de como a repórter americana Lillian Ross, em décadas de entrevistas para a revista The New Yorker, se orgulhava de nunca ter usado gravador. Tomava notas discretamente e se concentrava em observar o entrevistado, para descrevê-lo de modo que o leitor quase pudesse vê-lo na página impressa. E contei que, em milhares de entrevistas para minhas biografias de Nelson Rodrigues, Garrincha e Carmen Miranda, também nunca usei gravador. Por uma questão prática: eu não precisava de declarações extensas e literais do entrevistado, mas de respostas objetivas —às vezes um "sim" ou "não"— a perguntas curtas e diretas. E, no caso de pessoas mais simples, desabituadas a dar entrevistas, um gravador só iria inibi-las.
Mas havia casos em que o gravador era indispensável: nas entrevistas pingue-pongue, de pergunta e resposta, que fiz para a Playboy nos anos 1980 e 90. Entrevistas tão longas que podiam exigir até três sessões com o entrevistado, cada qual durando horas, e chegar a vinte páginas na revista.
Era um trabalho muito diferente. Exigia enorme pesquisa para a preparação de centenas de perguntas, encadeadas de forma que o entrevistado não fugisse de nenhuma e tivesse uma sensação de bate-papo, não de um questionário frio. Detalhe: o entrevistado era sempre famoso, cansado de dar entrevistas e responder às mesmas perguntas.
O problema é que, por mais que a pauta estivesse amarrada, com as perguntas numa sequência lógica, sempre se exigia alguma improvisação. Uma resposta inesperada, por exemplo, pedia um repique rápido, e isso dependia de quanto eu soubesse sobre o entrevistado. Ou digamos que ele escapasse de uma pergunta —era preciso então dar um tempo e pegá-lo com a mesma pergunta, formulada de outra maneira. Fazer duas perguntas iguais com formulação diferente servia também para me certificar se o entrevistado as respondia do mesmo jeito.
Aprendi isso na única escola de comunicação que frequentei: uns cem anos de prática.