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Questão de (des)ordem

 

De nada adiantou adotar medidas de segurança para evitar a entrada de manifestantes na Câmara, se a fonte da agitação estava lá dentro, com os representantes do povo.

Sei que a confusão política é geral. A presidente esbraveja contra os vazamentos, mas fica em silêncio sobre o que é vazado. Uma jurista respeitável aparece na internet em descabelado espetáculo de indignação e um ministro do STF acha ser preciso desmentir que não é “semideus”, como se a hipótese fosse possível. Mas é no Congresso que a bagunça tomou conta mesmo. Na quinta-feira, dois senadores quase se atracaram aos gritos de “assassino” e “bandido”. Na véspera, vi na TV as imagens da Comissão Especial do Impeachment da Câmara. Era uma reunião importante, mas os nobres parlamentares gritavam, se xingavam e se ameaçavam como se estivessem numa assemblEia de inflamados militantes. Por pouco, não foram às vias de fato. 

Como exigir ordem nas manifestações de rua, se deputados não conseguem mantê-la nem durante uma sessão para ouvir o parecer do relator sobre o processo de impedimento da presidente da República? De nada adiantou adotar medidas de segurança para evitar a entrada de manifestantes com material de propaganda, se a fonte da agitação estava lá dentro, com os representantes do povo, cheios de ânimo beligerante, empunhando cartazes como numa passeata contra e a favor de uma causa que cabia a eles julgar com isenção e serenidade. Vários chegavam a interferir nas transmissões colocando diante das câmeras as palavras de ordem, ou melhor, de desordem de cada lado.

Talvez por isso, como protesto, Paulo Maluf, que já havia se declarado “enojado” com o balcão de negócios em que o governo transformou a Casa, tenha faltado a oito reuniões. A que ponto se chegou: em tempos de Eduardo Cunha, Maluf é modelo de conduta moral e avalista de comportamentos. De Michel Temer, por exemplo, ele afirmou: “É um homem correto e decente. Nota dez”. De Lula: “É absolutamente inocente. Não tem objetivos econômicos. Virou um embaixador das empresas brasileiras e eu faria o mesmo”. De Bolsonaro, a declaração de que ele e o próprio Maluf eram os “únicos do Conselho que não estão na Lava-Jato”. O pior é que pode ser verdade. 

Na segunda-feira, já com o relatório devidamente debatido, haverá a votação. O presidente da Comissão disse que não vai tolerar “carnificina verbal”, mas a solução para evitar isso de uma vez por todas talvez seja experimentar a medida recomendada pelo Ministério Público de SP para os clássicos de futebol: disputar as partidas com apenas uma torcida no estádio. No caso, seria reservado um dia para os parlamentares coxinhas e outro para os petralhas. E sem transmissão televisiva dos discursos, porque a disputa mais acirrada é sempre para aparecer no vídeo.

O Globo, 09/04/2016