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Primeiro tempo, 7 a 0

 

Durante anos, futebol e crime foram assuntos de que os jornais mais classudos só falavam a contragosto. Eram coisa de gente que lia o jornal em pé, na porta do botequim, com um pé na parede e um palito entre os dentes. O Jornal do Brasil dos anos 70, por exemplo, se dependesse de seu esnobe proprietário, só trataria de pólo e equitação. Já os jornais menores, como o Notícias Populares e A Luta Democrática, falavam de crime e futebol com a maior naturalidade. Aliás, viviam deles.

Mas, mesmo nestes, as pautas não se misturavam. Seus personagens eram diferentes. Os jogadores eram homens pacatos, casados, moravam com a sogra, usavam terninhos da Ducal, ganhavam pouco, alguns até trabalhavam fora. Já os bandidos trocavam tiros com a polícia, fumavam uma erva vinda do Norte, matavam e morriam diariamente. Eram mundos separados.

Não mais. Hoje, abre-se a seção de esportes e lê-se que um craque da seleção brasileira está sendo acusado na Inglaterra de tomar cartões amarelos para beneficiar amigos que apostaram que ele tomaria os tais amarelos. Outro será julgado na Suíça por ter-se recusado a fazer um exame antidoping por não querer mostrar o pinto para o fiscal.

Um terceiro foi condenado na Espanha pelo estupro de uma fã num banheiro de boate. E mais um, tendo sido condenado na Itália por um estupro coletivo há nove anos, cumpre pena em Tremembé (SP). Descobriu-se agora que um de seus colegas na chacina sexual, ainda em liberdade, trabalha num instituto voltado para crianças e adolescentes, de propriedade de um supercraque do Brasil. O qual, por sua vez, está associado a um esquema calhorda que pretende sonegar as praias ao povo. Para completar, um grande clube brasileiro está às voltas com uma transação obscura, envolvendo laranjas e lavagem de milhões.

O crime está dizendo para o futebol: "Primeiro tempo, 7 a 0. Empate este jogo se for capaz."

Folha de São Paulo, 12/06/2024