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Presença da santidade

 

Sendo a ascese um exercício espiritual em que não só o lado contemplativo como também o místico permitem ligação maior de um ser humano com forças superiores a que podemos ter acesso, o simples fato de conhecermos pessoas dotadas dessa religiosidade nos prepara para o entendimento da santidade como coisa possível e existente. Pode a palavra "coisa" parecer indevida no caso, mas é que vejo a santidade como parte de outras "coisas" a que podemos ligar-nos ao longo de nossa caminhada pelos cantos do mundo.


Conheci pelo menos duas pessoas tocadas pela santidade. A primeira foi dom Henrique César Fernandes Mourão, salesiano, que primeiro foi bispo de Campos (RJ), e em seguida, por motivo de saúde, transferiu-se para Cafelândia (SP), onde faleceu. Estudei no Seminário de Campos, onde d. Henrique recebia todos os meses um grupo de três seminaristas e com eles conversava sobre os problemas que pudessem ter eles nos estudos.


Sabendo que, aos 14 anos, eu cometia meus sonetos, pediu-me certa vez para ler um deles. O que lhe entreguei foi um soneto chamado "Minha mãe" - em que eu rimava "Palinuro" com "futuro" ("Palinuro sendo o nome do navegador que Virgílio pôs numa embarcação do Mediterrâneo).


D. Henrique leu e chamou a atenção para um adjetivo mal colocado e uma rima falsa. No fim, disse-me: "Você terá de escolher no futuro uma coisa ou outra: ou padre ou poeta. São duas atividades que não combinam. É difícil você ser um bom padre sendo poeta. E é difícil você ser um bom poeta sendo padre." Mais tarde, escolhi.


A segunda pessoa tocada pela santidade que conheci foi Dom Luciano Mendes Almeida, jesuíta, que morreu como arcebispo de Mariana, uma das mais tradicionais prelazias do Brasil. Com ele tive contatos maiores quando bispo-auxiliar de São Paulo, no tempo da CNBB. Era um tempo em que o Brasil precisava de uma presença como a de Dom Luciano, com sua luta em favor da criação de comunidades educacionais e de creches para populações abandonadas.


Sobre ele, sai agora o livro de Cândido Mendes, "Dom Luciano, o irmão do Outro", em que sua trajetória de lutador incessante em favor dos que estão embaixo é mostrada com detalhes e em análises de uma atividade permanente capaz de atender às necessidades de uma certa América Latina em seu clamor por justiça social. O autor narra a larga caminhada, em muitas e difíceis trilhas, de dom Luciano, que não se afasta jamais da presença humana, dos outros, dos muitos que estão fora das beneses, e não só isto, mas fora de qualquer solidariedade às faltas do momento: falta de alimento, falta de compreensão, falta de reconhecimento diante do que o "outro" faz.


Ao longo de sua vida de prédicas em igrejas, escreveu também para jornal, consciente de que, assim, atingiria com mais força o pensamento de seu tempo. Disso dá testemunho Cândido Mendes neste livro, quando diz: "Luciano dava especial importância, nos muitos protagonismos de sua ação coletiva, ao artigo semanal que escrevia para a "Folha de São Paulo". Via mesmo, como multiplicadores de sua fala, os Frias, pai e filho, que lhe ofereciam espaço, ao mesmo tempo em que começava uma tarefa no Belenzinho. Por mais de uma trintena, a coluna ganhou o formato de um verdadeiro cânon, em resposta à expectativa da maior audiência urbana brasileira, a quem se franqueava a palavra regular de um pastor".


Quando não encontrava tempo para escrever, premido pela agenda religiosa de uma semana, ditava o texto diretamente pelo telefone. Neste desejo de uma busca de um encontro coloquial com o leitor, prescindia de citações e acentuava a clareza de seu estilo, Cândido Mendes comenta ainda:


"Preciosíssimo espaço, o de sábado de manhã, da segunda página certa, na leitura obrigatória e na procura de uma temática de eternidade, trazida ao seu relevo naquele dia."


"Dom Luciano, o irmão do Outro", de Cândido Mendes, é uma edição Educam-Editora Universitária Cândido Mendes, coordenação editorial de Hamilton Magalhães Neto, estudos de capa de Paulo Verardo e Vitor Alcântara, pesquisa iconográfica de Ana Maria de Assis Mattos, Luiz Fernando Mendes de Almeida e Maria Pia Mendes de Almeida.


Tribuna da Imprensa (RJ) 18/9/2007