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Pra vaca não ir pro brejo

 

Já que foi a própria presidente que escolheu a imagem — talvez por identificação com o universo rural de sua afilhada de casamento Kátia Abreu — vamos continuar com ela. Como se recorda, a candidata Dilma assegurou que não mexeria nos direitos trabalhistas e, para não deixar dúvida, repetiu uma expressão popular que acabou invadindo de forma viral as redes sociais — “nem que a vaca tussa” — e com a hastag #em direito meu ninguém mexe.

Um sucesso, pelo menos até depois das eleições, quando um dos primeiros anúncios de controle de gastos para garantir o ajuste fiscal foi justamente restringir benefícios dos trabalhadores tais como seguro-desemprego e abono salarial.

A presidente teria resistido muito a essas medidas, mas não houve jeito. São tempos de vacas magras, poderá ter-lhe dito a equipe econômica, quem sabe. Ou, então, o mar não está pra peixe, como afirmaria o jovem ministro da Pesca, Helder Barbalho, um dos sapos que ela teve que engolir — sapo ou rã?

Por meio de artifícios semânticos no discurso de posse, a presidente procurou disfarçar as dificuldades que vai enfrentar no segundo mandato.

Em vez de detalhar o que pretende fazer para tentar a retomada do desenvolvimento econômico, por exemplo, repetiu a defesa da Petrobras, não para uma autocrítica de seu governo, mas para exaltar o seu combate à corrupção, atribuindo os escandalosos desvios praticados na estatal a “alguns servidores” e a “predadores internos e inimigos externos”.

É como se a Dilma de agora não fosse uma herança da Dilma dos últimos quatro anos, ou seja, como se Dilma não tivesse nada a ver com os problemas que Dilma criou.

“Mais do que ninguém, sei que o Brasil precisa voltar a crescer”, disse ainda a presidente reeleita. “Os primeiros passos desta caminhada passam por um ajuste das contas públicas, aumento na poupança interna, ampliação de investimento e elevação da produtividade da economia.”

Da mesma maneira que prometera manter todos os direitos trabalhistas e previdenciários, ela garante que fará a correção e os acertos “com o menor sacrifício possível para a população, em especial os mais necessitados”.

A presidente Dilma, como se viu, não conseguiu evitar que a vaca tossisse. Agora, terá que impedir que ela vá pro brejo.

O Globo, 03/01/2015