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Por que estamos longe?

 

O Plano Nacional de Educação, em vigor, aprovado pelo Congresso Nacional, merece inúmeros reparos. Somos orientados pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (lei nº 9.394/96), que exige uma ampla reformulação. A realidade nua e crua é cada vez mais perversa: escolas desprovidas de equipamentos, professores desrespeitados em sua dignidade profissional e salarial, alunos desnutridos e desinteressados - algo como se estivéssemos em pleno caos.


Isso cria o clima favorável à proliferação da violência, hoje quase uma epidemia. Filhos matam pais, pais matam filhos drogados, vive-se um inacreditável inferno - e a escola sem dar as respostas adequadas. Ao contrário, em algumas delas o tóxico tem presença garantida, como se fosse disciplina a ser também estudada. Onde vamos parar?


Temos 250 mil escolas e cerca de 50 milhões de estudantes. Cuidar desse imenso contingente é tarefa de gigante, mas que precisa ser enfrentada.


E os livros didáticos distribuídos? Depois dos mistérios da escolha dirigida, muitas vezes não saíram de depósitos ou das próprias escolas. Sabemos de reclamações do tipo "não sei o que fazer desses livros", "os professores não foram treinados para utilizá-los", uso um método que prescinde de livros" etc. Prova mais que evidente de que as campanhas oficiais de doação de livros didáticos padecem de uma precariedade abissal, fruto da pressa de mostrar resultados. De que adianta inundar o mercado de livros (sem entrar no mérito da discutível escolha) sem que os mestres saibam antes o que fazer desse precioso e insubstituível instrumento cultural?


Insiste-se na necessidade premente de mudanças não só na educação nacional, como também na situação do Brasil como um todo.


Medidas paliativas foram tomadas e, a bem da verdade, alcançamos algumas mudanças, como, por exemplo, quase chegamos à proclamada universalização do ensino, mas há um grande silêncio sobre a saída (evasão) de crianças depois de matriculadas. Por que houve o aumento de matrículas e uma diminuta inauguração de novas escolas? A resposta é simples: coube todo mundo porque muitos não ficaram, a merenda prometida era pífia (quando chegava).


A proporção de analfabetos - que é de 14,7% na população acima de 15 anos - e a fome que campeia em grande parte do território brasileiro continuam sendo os responsáveis pela vergonha que tanto nos incomoda.


Concordamos com o pronunciamento do professor francês Bernard Charlot, durante o 3º Fórum Mundial de Educação, que aconteceu recentemente em Porto Alegre: "Somente com uma escola pública de qualidade é possível construir um verdadeiro Estado republicano." Não só concordamos com ele; também acrescentamos que qualquer escola precisa ser competente, independentemente de ser pública ou privada.


Não se trata de má vontade com o ex-ministro da Educação. Ele também destruiu o ensino médio, que agora está sendo recomposto pelas atuais autoridades. Existem 33 milhões de brasileiros que não têm capacidade de ler e escrever textos simples nem tampouco de fazer operações de multiplicação ou divisão. Outro dado desanimador: 59% dos alunos da quarta série do ensino fundamental ainda não aprenderam a ler. Na oitava série, aqueles que passaram, milagrosamente, não conseguem interpretar de modo adequado os textos lidos.


Esse é o retrato do nosso ensino fundamental e médio.


Numa sondagem com 50.740 estudantes em 673 escolas situadas em 13 capitais, feita sob a chancela da Unesco, a conclusão foi triste: 53% dos alunos têm aprendido muito pouco em seus cursos. O que é pior, a mesma pesquisa também envolveu 7.000 professores, que têm a mesma opinião a respeito dos alunos: não são capazes de interpretar textos lidos de forma adequada.


Sobre o ensino superior, qualidade virou exceção. O número de cursos criados nos últimos anos foi uma barbaridade, sob a pressão desmesurada de políticos de todos os calibres. Depois imputaram a culpa no pobre do Conselho Nacional de Educação, uma vítima de toda essa orquestrada insanidade.


Relembramos com esses lamentáveis fatos os oito anos de gestão na educação do governo Fernando Henrique. Que confusão: o seu então ministro sistematicamente vinha a público, com sua notória atração pela mídia, para criar a mais impressionante bateria de factóides do país. Uma fértil imaginação. Escreveu um longo artigo, afirmando peremptoriamente que "a educação brasileira está melhor".


Como vivemos numa democracia, apesar da arrogância neoliberal, temos o direito de questionar essas afirmações, com base no que vemos objetivamente em sucessivas visitas a escolas e no que afirmam os sacrificados secretários estaduais e municipais de Educação, que aprenderam a não mentir. Não há ganhos concretos em exercícios demagógicos.


Quando modernizaremos todo o sistema educacional brasileiro, empregando as tecnologias que marcam a sociedade do conhecimento? Quando faremos da qualidade o grande projeto nacional de aperfeiçoamento do ensino fundamental, chegando-se à proclamada escola ideal?


Por aí existe um caminho. É só acreditar e seguir por ele.


 


Folha de São Paulo (São Paulo) 29/09/2004

Folha de São Paulo (São Paulo), 29/09/2004