A reforma institucional que o País exige pressupõe definir que fins cumpre a Administração que não podem ser exercidos pela Política e que objetivos políticos não podem ser supridos pelo aparelho administrativo do Estado para que se possa atender aos requisitos essenciais de racionalidade e eficiência.
A forma mais simples de se entender os limites das duas esferas de atividades é buscar que papéis cada uma delas deve cumprir. Numa simplificação fácil de ser entendida, a Política deve decidir o que fazer, enquanto a Administração deve responder à indagação de como fazê-lo. As decisões políticas, por sua vez, devem resultar de escolhas racionais entre alternativas viáveis.
Separar as funções políticas das funções administrativas do Estado impõe, desde logo, fixar limites claros e definidos entre os papéis que cabem aos representantes políticos da soberania nacional e os que devem ser desempenhados pelos agentes administrativos do Estado. A aceitação desses limites é que permite aos governos distinguir as funções políticas que devem cumprir, sancionando, vetando ou deixando de exercer qualquer das duas prerrogativas, das atribuições administrativas que lhe são delegadas. Sem o estrito cumprimento dessa distinção, que corresponde à aplicação prática do princípio filosófico da separação não só dos poderes, mas também das funções do Estado, perdem sentido preceitos usuais das declarações de direitos como o de que ´ninguém será obrigado a fazer ou deixar fazer alguma coisa, senão em virtude da lei´.
Lembrando Max Weber, que produziu tantos ensinamentos nesse campo, é preciso que a burocracia seja o suporte legítimo da dominação legal. Quanto mais explícitos forem os limites que separam a esfera de competências da política da esfera de atribuições dos agentes de Administração, maior deve ser a racionalidade a cargo das diversas esferas de poder. Neste sentido, a reforma institucional da Federação só poderá ser considerada adequada ao equilíbrio exigido entre poderes locais, regionais e nacional, se as competências concorrentes forem efetiva, nítida e explicitamente repartidas O ´princípio da subsidariedade´ é, portanto, o primeiro fundamento da repartição de competências e atribuições definidas no pacto constitucional: tudo o que puder ser feito pelo poder local não deve ser objeto das competências do poder estadual, e tudo quanto pode ser executado pelo poder regional não ficará a cargo do Poder Central.
No território da política se requer mecanismos nítidos e objetivos que evitem incompatibilidades entre os interesses privados dos representantes da soberania nacional e as decisões públicas de que eles devam participar. De igual maneira, na esfera administrativa devem ser precisos os instrumentos de controle de sua eficiência e de aferição da impessoalidade das decisões que lhe são atribuídas. Isso implica a necessidade de organização hierarquizada e de mecanismos que ensejem à sociedade responsabilizar seus agentes pelos abusos e excessos que cometerem. Por essas razões, a profissionalização das carreiras administrativas calcadas no mérito e na competência não pode deixar de ser a regra geral. E o provimento dos cargos que a lei declarar sujeitos à confiança pessoal, a exceção.
Com a observância de tais princípios, a atividade política servirá aos interesses de toda a sociedade, e a atividade administrativa às exigências legítimas que a lei garante a cada cidadã ou cidadão. É certo que, como aconselhou Dom Pedro II a sua filha Isabel Cristina, ´a política, principalmente entre nós, é volúvel, e dessa volubilidade se ressente tudo aquilo sobre o que ela influi´. Nada, contudo, pode estar acima do conceito clássico de que a separação efetiva da Política e da Administração é tão relevante para a democracia, quanto o princípio da separação espacial e funcional dos poderes do Estado.
Diário do Nordeste (Fortaleza - CE) 15/10/2006