Leitora constante desta coluna nos pergunta por que palavras terminadas em -ão apresentam três formas de plural como acontece com 'leão' que faz 'leões', 'irmão' faz 'irmãos' e 'pão' faz 'pães'. E ainda por que algumas palavras podem ter mais de um plural correto, do tipo de 'aldeão', para o qual a gramática registra corretamente três plurais: 'aldeões, aldeãos e aldeães'.
A aparente confusão tem suas razões na história dessas palavras terminadas no ditongo nasal em sílaba tônica, porque houve época do idioma em que nem todas se diziam com -ão, final que só no português moderno se uniu numa só terminação. Enquanto as formas do singular se unificaram em -ão, as formas de plural continuaram, em geral, fiéis às terminações originais que explicam hoje os finais -ões, -ãos e -ães. Este é um dos muitos fatos em que o passado põe luz e explicação em aparentes confusões na língua dos nossos dias.
Houve uma época em que cada forma que hoje termina em-ão apresentava forma diferente, mais próxima da sua origem latina ou do vernáculo português, com vogal temática própria Vale lembrar: o tema é a parte da estrutura da palavra formada pela raiz ou radical mais a vogal temática. Para recordarmos noções aprendidas nas aulas de gramática, convém também lembrar que se chega ao tema de uma dessas palavras em -ão, e, assim, à sua vogal temática, partindo-se da forma do plural e levando-se em conta as regras de transformações próprias no processo de formação do plural.
Chegaremos à conclusão de que os nomes terminados em -ão tônico moderno pertencem a rigor à classe dos temas em -e ou em -o, conforme o plural respectivo: leões (=leõe+s), irmãos (=irmão+s) e pães (=pãe+s). Recordemos aqui uma lição de Mattoso Câmara aprendida nas aulas de gramática pela qual, para chegar ao tema e, assim, à vogal temática, devemos partir da forma do plural, acrescida das regras de mudança próprias ao processo de formação do plural. Destacando-se a vogal temática, que passa agora a semivogal do ditongo, teremos então o radical em -o leõ) e o radical em -ã (irmã, pã). Agora estaremos habilitados em estabelecer as regras de formação de plural desses nomes:
1) os terminados em -õ com tema em -e fazem o plural com o acréscimo da desinência-s:leão (leõ+e+s),plural leões;coração (coraçõ+e+s),plural corações.
Este radical em-õ aparece evidente em adjetivos e verbos da mesma família do substantivo, prova de que este faz o plural em -ões; leonino denuncia o plural correto de leão: leões.
2) os terminados em -ã, com tema em -o (irmão) fazem o plural com o acréscimo da desinência -s: irmão (irmã+o+s), plural irmãos; cidadão (cidadã+o+s), plural cidadãos.
Este radical em -ã aparece evidente em adjetivos e verbos da mesma família dos substantivos irmão (irmAnar) e cidadão (cidadania).
3) os terminados em -ã com vogal temática -e (pã-e de pães) fazem o plural com o acréscimo de desinência -s: pão (pã-e+ s), plural pães; capitão (capitã+e+s), plural capitães.
É fácil concluir que dos três plurais aqui enumerados o mais numeroso é o plural em -ões, o que o faz mais espontaneamente aparecer em lugar dos outros, embora a tradição gramatical e a norma padrão tentem corrigir e enquadrá-lo, como convier, no grupo em -ãos ou no grupo em -ães. Em razão dessa convergência dos três plurais num só singular terminado em -ão, surgem dificuldades que a ação da gramática e da escola procura orientar.
O Dia (RJ), 12/12/2010