Minha empregada, Corina Silva, quarta-feira não veio trabalhar. Por volta das 10h da manhã, tocou o telefone, era ela: "Seu Ferreira, não vou poder ir, escute só!"
E eu: "Escutar o que?" E ela: "Não está ouvindo esses pipocos? São tiros, os bandidos estão atirando contra a polícia".
Maria mora em Anchieta, no Rio, com um filho inválido, que tem 16 anos mas não fala, não se levanta, não mastiga. Seu marido morreu faz alguns meses. Quando ela vem trabalhar, dois dias por semana, uma pessoa toma conta do garoto.
"Seu Ferreira, acho que não vai dar mesmo para eu ir. Tenho medo de sair na rua" Concordei com ela, só devia vir se o tiroteio cessasse. "Não vai cessar, esse tiroteio começou de manhã cedo."
Corina mora perto de uma favela, ocupada por traficantes de drogas faz vários anos. Eles andam pelo bairro, montados em motocicletas roubadas, com fuzis a tiracolo. A polícia raramente vai lá. Esta manhã foi, não se sabe por que, e a consequência foi o tiroteio que pôs em pânico todos os morados do bairro.
Pode-se dizer que Maria mora numa região ocupada por bandidos. Os moradores não tocam no assunto, fazem de conta que a situação é normal e há até quem lhes ofereça comidas e doces. Ainda assim, eles não deixam dúvida quanto à sua disposição de "mandar para o inferno" a quem der com a língua nos dentes.
A ocupação das favelas do Rio pelos traficantes de drogas é um fenômeno particular desta cidade e isso data de muitos anos, isto é, desde o governo de Leonel Brizola.
Não é que o governador tivesse qualquer vínculo com os criminosos, nada disso. Quando proibiu que a polícia estadual subisse nas favelas, sua intenção era evitar que a repressão policial atingisse os moradores do lugar.
Sua intenção era boa, mas as consequências foram desastrosas, isto é, na ausência da polícia, os traficantes se instalaram nas favelas e, tranquilamente, passaram a mandar e a desmandar na vida dos moradores.
À medida que o seu poder se consolidava, eles passaram de bandidos a justiceiros, punindo quem se comportava mal e, com isso, evitavam a volta da polícia a seus domínios.
Lembro-me de um menor que, tendo roubado dinheiro de um morador, teve os dedos das duas mãos queimados com ferro em brasa. No que se referia àqueles que se atreviam a disputar com eles o comércio de drogas, não tinha perdão, eram simplesmente eliminados.
Mas os exemplos não param aí. O chefão do tráfico, em cada favela, se comportava como um sultão. Exemplo desse domínio sobre os moradores foi o caso de uma mocinha de 12 anos, muito bonita, filha de uma família de favelados, que caiu no gosto do chefão do tráfico.
Ele já possuía várias amantes, mas entendeu de ter mais uma, linda como ela era. A garota entrou em pânico e os pais dela também. Qual decisão tomar? Entregá-la ao bandido? Isso nunca, mas, se se atrevessem a dizer não, poderiam pagar com a vida.
A solução foi tirar a menina clandestinamente da favela e mandá-la para a casa de uns parentes que moravam no Nordeste e também cair fora do lugar.
O domínio dos traficantes sobre os favelados sofreu um golpe mortal com a instalação das Unidades de Polícias Pacificadoras, as UPPs, em várias favelas, pelo governador Sérgio Cabral Filho e o secretário de Segurança José Maria Beltrame.
Com a expulsão dos traficantes, a situação mudou para alívio dos moradores. Com a ajuda das forças armadas, a polícia do Rio obrigou os bandidos a fugirem das favelas, que foram ocupadas pelas UPPs.
Em várias delas, a pacificação se implantou e se mantém; em algumas, os bandidos teimam em fustigar a polícia, inconformados com a perda de seu reinado.
As UPPs são, sem qualquer dúvida, um êxito na repressão aos traficantes de drogas do Rio de Janeiro. Os ataques que os bandidos fazem aos policiais que ocupam as favelas não os trará de volta.
Mesmo assim, há quem afirme que as UPPs são uma farsa, mas só diz isso quem nunca viveu sob o terror dos traficantes. Corina, por exemplo, sonha com o dia em que a polícia pacificadora ocupe a favela em Anchieta, próxima a sua casa.