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Perrengues olímpicos

 

No tempo em que os bichos falavam, fui sondado algumas vezes sobre se gostaria de ir cobrir a Copa do Mundo. Agradeci e recusei. Sempre achei que, para quem gosta de futebol, o pior lugar para se assistir à Copa é o país em que ela se realiza. Claro, nada supera o jogo no estádio, sentir a torcida, emocionar-se com os gols. Mas era preciso também se estapear com os colegas por uma tomada elétrica no setor da imprensa, escrever com o jogo rolando e, soprado o apito final, correr para mandar o texto dentro dos horários do jornal.

Sei que, hoje, texto e fotos levam 1 segundo para ser disparados. Mas outros perrengues continuam, como cobrir jogos que não nos dizem nada, inventar assunto para entre uma partida e outra do Brasil, aturar aviões e aeroportos, comer mal e às pressas. E esses são só os ossos dos profissionais. Os dos turistas são piores ainda: hotel e serviços precários, o mau humor dos locais, os deslocamentos, as filas, o preço de tudo e a sensação de que não se está vendo nada.

As Olimpíadas são a prova de que esses eventos não foram feitos para se assistir in loco. Os relatos de quem se abalou até Paris falam daqueles perrengues e de muitos mais, como a dificuldade de chegar ao centro olímpico, do calor de 40 graus e da falta de ar condicionado nos táxis, trens, ônibus e metrô. E quem consegue ir a todas as provas que lhe interessam?

Enquanto isso, os amigos que ficaram no Brasil podem acompanhar tudo em telas, telinhas ou telões, ao vivo ou em replay, viver a expectativa da classificação para uma final, torcer, sofrer, vibrar, conferir cada gota de suor dos competidores, ver em close os risos e lágrimas de Rebeca, Bia e Tatiana e assistir em câmera lenta às piruetas e quebra de recordes 50 vezes, se quiserem.

Você dirá que os que estão lá em Paris também podem ver tudo isso pelo celular. Certo, mas, nesse caso, por que viajar?

Folha de São Paulo, 07/08/2024