Como já tive oportunidade de comentar aqui diversas vezes, Itaparica sempre esteve na vanguarda e não raro puxou o bonde nacional. Assim foi quando, depois de os aturarmos durante quase um ano, na época do padre Vieira, enchemos o saco de tantos vanderdiques e vanderleis e botamos os holandeses da ilha para fora — e tudo às carreiras, tanto assim que vários ficaram para trás, para usufruto das conterrâneas mais necessitadas ou mais assanhadinhas, assim se originando as flores que são nossas mulatas de olhos verdes, as quais vem gente de todo o mundo para conhecer. Quase dois séculos mais tarde, se não fosse a ilha, talvez não houvesse independência, pois a convicção dos historiadores sérios é de que o grito do Ipiranga não passou de gogó e sair mesmo no tapa com os portugueses foi na ilha e redondezas.
E não é somente nessa história mais remota que nos destacamos, mas, por exemplo, finado Lamartine, Deus o tenha, contava que um certo coronel Veiga, do tempo em que Lamartine era menino, recebeu um telegrama do Rio de Janeiro, enviado no dia 9 de novembro de 1889, dizendo o seguinte: “MEU CORONEL VG COUSA ESTAH FEIA PT PROCLAMO OU NAO PROCLAMO REPUBLICA INT AGUARDO PREZADAS INSTRUCCOENS PT SAUDACOENS VG SEU CRIADO DEODORO.” Quis, todavia, o dedo ingrato do destino que esse 9 de novembro caísse num sábado, o que atrasou um pouco o telegrama, que só chegou no sábado seguinte, dia 16, quando a desgraça, quer dizer, a república já estava feita. Lamartine lembrava que o coronel xingou o telégrafo até morrer, argumentando que o atraso o fizera cometer uma desfeita contra Pedro II, com quem sempre tivera bom trato.
Em matéria de modas, das filosóficas e artísticas às de aparência e comportamento, tampouco ficamos atrás. Manda a honestidade reconhecer que nunca fomos ditadores da moda, se bem que, no tempo em que o navio atracava na ponte em frente à pensão de Anita, o desfile das moças à espera do desembarque fosse mais elegante e colorido do que em muitas passarelas do Sul do País. Mas também se frise que, embora acompanhemos as preferências mais modernas, jamais incorremos em imitação servil e até por vezes marchamos, como se diz hoje em dia, na contramão de certas tendências, como o que aconteceu com a discutida questão da qualidade de vida.
A qualidade de vida até que pareceu que ia pegar e Beré de Babau chegou a fundar uma academia de ginástica aeróbica com trilhas sonoras de Michael Jackson, mas diz o povo que Babau ficava espiando as alunas e aí Beré deu uns cachações nele e se despediu da carreira de magistério. Sobrou somente Badego que todo dia, chova ou faça sol, sai andando acelerado de costa a contracosta, mas se sabe que Badego, excelente e educadíssima pessoa, por todos admirado, nunca regulou bem da ideia, qualquer um no Mercado corrobora. Gugu Galo Ruço, que é várias vezes rico milionário em Salvador e vem à ilha treinar deitar na rede, me esclareceu a posição que prevalece na terra.
— O problema — disse ele — é que, para garantir qualidade de vida, a gente tem que sacrificar muito a qualidade de vida. Faz cada exercício medonho, come regrado, não come açúcar, não come gordura, não come carne vermelha, não come conserva, metade do prato é capim, não fuma, bebe uma merreca de um dedal de vinho por dia, não perde noite, não toma porre, passa o dia inteiro bebendo água, tem que ter muita abnegação.
— Mas assim você garante uma boa qualidade de vida na velhice.
— E na velhice eu vou poder fazer todas essas coisas?
— Não, claro que não. Não é isso o que…
— Quer dizer, não faço nem na mocidade nem na velhice, é isso? Assim, ou eu vivo ou tenho qualidade de vida. Eu cheguei à conclusão de que viver é preferível.
Mas pelo menos uma moda contemporânea parece que vai ter melhor destino, a julgar pelo que foi revelado em primeira mão, no largo da Quitanda, por Zecamunista. Ele, sempre muito interessado no papel político das mulheres, vem acompanhando com grande interesse os protestos, cada vez mais numerosos, em que elas aparecem com os seios à mostra, para denunciar leis iníquas, abusos de poder e discriminação de todos os tipos.
— Ontem mesmo eu vi na internet uma manifestação fantástica — contou ele. — Uma coisa de um vigor impressionante, não há massa que não fique mobilizada. Tinha uma delegação norueguesa muito boa, até agora estou impressionado.
— E a manifestação era contra o quê?
— Bem, eu não me lembro, na hora eu não percebi, também não se pode assimilar tudo, vou ter que ver mais algumas vezes ainda, vou precisar.
— Vai precisar?
— Não se meta a engraçado, eu sou um homem sério e um feminista de respeito, um paladino das mulheres. Eu vou canalizar o potencial das mulheres aqui da ilha, mais uma vez. Vou fundar uma ONG chamada Peitos Cívicos da Ilha e tenho certeza de que em breve seremos uma das entidades mais temidas do Brasil. Os poderosos tremerão, quando anunciarem que as soldadas dos Peitos Cívicos chegaram, vai ser mais devastador do que a cavalaria para os índios americanos, vai ser peito pulando por todos os lados, um massacre!
— Eu não acredito que isso dê certo.
— Nem eu — disse ele. — Mas tem muita mulher precisando de uma desculpa correta para mostrar os peitos. É uma colaboração da minha parte, eu sempre procuro apoiar a mulher.
O Globo, 31/3/2013