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Os tambores tocam por Josué

 

Os temores do Acadêmico Josué Montello não se confirmaram. Na última visita que fez à Casa de Machado de Assis, sentado na clássica poltrona do salão nobre, chamou-me para perto e disse uma frase que jamais saiu do meu pensamento: "Arnaldo, você é como meu filho. Não deixe que eu seja esquecido".
 
Josué foi um dos nossos mais férteis autores, com livros de grande repercussão, como é o caso do seu famoso Os tambores de São Luís.
 
Uma particularidade pouco explorada na saga de Josué Montello: foi autor também de preciosas obras infantis, primeiro na coleção O tico-tico, depois em trabalhos avulsos, como o que editamos sob o título A formiguinha que queria ser bailarina. Um sucesso, em todos os sentidos.
 
Falecido aos 88 anos de idade, Montello foi uma das mais prodigiosas memórias entre os nossos imortais. Lembrava-se de datas, fatos e biografias como ninguém.
 
Nas sessões da ABL, sempre tinha uma palavra de lembrança carinhosa dos acadêmicos.
 
Tivemos cerca de 50 anos de convívio, incluídos os tempos gloriosos da revista Manchete. Josué era uma visita semanal, sempre bem-vinda, com sugestões de reportagens que eram normalmente acolhidas pela direção.

Josué Montello conseguiu o milagre de aliar a sua inequívoca vocação literária com uma série de belas incursões na vida pública, acumulando bons serviços a Juscelino Kubitschek na Presidência da República, na direção da Biblioteca Nacional e na Embaixada do Brasil na Unesco, em Paris.
 
Na Academia Brasileira de Letras desde 1954, sucedeu a Austregésilo de Athayde, na presidência, realizando uma obra fundamental de restauração da Casa de Machado de Assis. Entrou na ABL eleito para a cadeira n° 29, na sucessão de Cláudio de Sousa. Foi recebido por um querido amigo, Viriato Correia.
 
Casou-se cedo, teve duas filhas. Yvonne, a esposa, foi a sua grande e definitiva musa inspiradora, companheira e colaboradora eficaz, pois vezes sem conta datilografou os seus originais.
 
Acordava antes das 4h e começava a trabalhar, cultivando o hábito de responder às suas centenas de fãs. Devia ter o maior fã-clube literário do país. Vaidoso, sentiu uma sensação de plenitude quando recebeu a notícia de que o seu clássico Os tambores de São Luís foi considerado pela Unesco como um dos patrimônios culturais da humanidade.

Josué nasceu em São Luís, em 21 de agosto de 1917, mas viveu no Rio desde 1936. Sempre manteve rigorosa fidelidade às suas origens. Escreveu com o sabor natural dos locais e dos sons da sua infância e juventude, daí o interesse universal das suas obras. O seu primeiro romance é de 1941: Janelas fechadas.
 
A convite de Rodolfo Garcia, planejou a reforma da Biblioteca Nacional, que veio a dirigir em 1947.
 
Em 1953, deu aulas na Universidade Nacional Mayor de San Marcos, em Lima, Peru. Foi professor de Vargas Llosa. Colaborou no Jornal do Brasil de 1954 a 1990. De 1969 a 1970, foi conselheiro cultural da Embaixada do Brasil em Paris, cidade onde exerceu, de 1985 a 1989, a função de embaixador do Brasil junto à Unesco.
 
Tinha uma forma peculiar de desforra: os seus diários (manhã, tarde, noite e entardecer). Se alguém o feria, dava a resposta com um verbete crítico num dos livros de memória. "Assim me garanto na eternidade", costumava dizer.

Numa visita à Universidade de Estocolmo, senti natural curiosidade. Queria saber quais eram os autores brasileiros mais lidos pelos estudantes suecos. Entre os poucos preferidos, Josué Montello figurava com brilho, em virtude do seu consagrado Os tambores de São Luís", romance que retrata uma dinastia de negros, todos com o nome de Damião, ao longo de três séculos da movimentada história maranhense.

Correio Braziliense, 4/7/2011