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Os riscos da Presidência

 

A História do Brasil foi marcada sempre pela frequência com que a transmissão do poder sofreu ameaça de continuidade de parte dos perdedores.

Se analisarmos bem e pensarmos nas circunstâncias da época, chegaremos à conclusão de que a primeira ameaça foi contra Prudente de Morais. Tendo sito derrotado por Floriano Peixoto na primeira disputa, na segunda, com a nova Constituição já em vigor, venceu as eleições e transformou-se no primeiro Governo civil da República. Mas foi eleito com a marca de que podia ser deposto. Teve que lidar com a Revolução Constitucionalista no Rio Grande do Sul, a invasão da Ilha da Trindade pelos ingleses, a do Amapá pelos franceses e ainda a questão da fronteira com a Argentina, que Rio Branco resolveu. Com habilidade escolheu o arbitramento e sobreviveu, embora tendo às suas costas como vice o Manoel Vitorino, florianista, que foi muito incorreto quando o substituiu durante o tempo em que esteve afastado para fazer uma cirurgia. Tentou pacificar as facções e atravessou todos os riscos — inclusive uma tentativa de assassinato — e, assumindo para ser deposto, superou a ameaça.

Podemos dar o exemplo de Artur Bernardes, que, pressionado pelos militares, foi forçado a governar todo o tempo com Estado de Sítio e também sobreviveu.

Já Washington Luiz assumiu, numa eleição exemplar da Velha República, com 99% dos votos, e foi deposto na Revolução de 30.

Juscelino foi eleito para ser deposto, com a tese de que não obtivera maioria absoluta, mas, graças a sua habilidade de grande político, enfrentou duas revoltas, de Aragarças e Jacareacanga, e terminou o seu mandato gloriosamente como um dos maiores presidentes do País, o construtor de Brasília.

O Jânio Quadros assumiu para iniciar uma nova Era no Brasil e frustrou todos com uma renúncia até hoje sem explicação.

João Goulart, o Jango, é um exemplo de péssimo político. Com grande apoio das forças partidárias, mas com forte resistência militar, assumiu numa fórmula de conciliação, adotando-se um parlamentarismo de araque, fez tudo para ser deposto com medidas de esquerda radical e tentando dividir as Forças Armadas. Assumiu para ser deposto. E foi.

Escolhi os casos mais graves. Mas se olharmos todos, veremos esta tendência de instabilidade política que marca a nossa democracia.

Eu também tinha todos os elementos que me apontavam como um presidente que ia ser afastado. Fernando Henrique mesmo, em entrevista, disse que, se soubessem que Tancredo morreria, eu não teria assumido. Mas outro dia o jornalista Fernando César Mesquita me disse que foi visitá-lo e, quando lhe perguntaram qual o melhor político com que lidara, FHC respondeu: o Sarney.

Sabe Deus — e só Ele — os perigos da presidência. Eu também tinha a mesma sensação de FHC. Tudo me dizia que eu seria mais um Presidente que seria deposto. Assumi o cargo, obedecendo à Constituição, mas o poder de fato foi para o Ulysses Guimarães, que era Presidente da Câmara, Presidente do MDB — e seria Presidente da Constituinte. Eu não tinha partido. Vinha do rompimento com o PFL e ainda não tinha sido aceito de fato pelo MDB. Uma ala ligada ao Presidente Figueiredo agia contra a mudança dentro das Forças Armadas. Eu vinha de um Estado pobre, o Maranhão, e não tinha acesso à área das grandes corporações econômicas ou de mídia.

O ministro Leitão de Abreu, grande homem público e sólido caráter, disse a mim e ao Carlos Castelo Branco que o General Walter Pires fora a sua casa, na véspera da posse, dizendo "Não aceito o Sarney e vou para os quartéis levantar a tropa". Leitão o dissuadira com um argumento fulminante: "O senhor não é mais ministro, foi exonerado no Diário Oficial de hoje." "Então está tudo perdido", respondera o novo ex-ministro.

Qual a minha sustentação? A lealdade e confiança de Aureliano Chaves, Marcos Maciel, Jorge Bornhausen, Guilherme Palmeira e do melhor Ministro do Exército que já tivemos, Leônidas Pires Gonçalves, além de uma bancada de aguerridos deputados da Aliança Liberal.

Mesmo assim, visualizando nossas dificuldades, tracei meu plano de legitimar-me e executar a transição para a democracia. Fizemos a Constituição, hoje vivemos o maior tempo sem hiatos de uma democracia, e os ventos da liberdade cobrem o País.

O brasilianista americano Ronald Schneider diz que a nossa transição democrática foi a melhor do mundo porque não deixou hipotecas militares e assegurou a implantação de regime democrático duradouro.

Imirante, 27/08/2024