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Os gestores culturais

 

James Joyce escreveu a maior obra literária do século 20, Ulisses, sustentando-se (mal) como professor de inglês, exilado da sua Irlanda natal. Franz Kafka suportou o trabalho burocrático de escriturário numa companhia de seguros para poder escrever suas incomparáveis parábolas sobre a condição humana como O processo e A metamorfose. E que dizer dos pintores malditos do impressionismo e do expressionismo, que se alimentavam de absinto e morriam de fome em suas mansardas? Van Gogh, o recordista dos leilões milionários de hoje, não vendeu uma só tela em seu tempo de vida. Todos estes artistas eternizaram a sua arte sem nenhum patrocínio, apoiados apenas pela crença interior na sua arte e movidos pelo impulso de criar sem nenhuma garantia imediata de sucesso.


Devemos reconhecer, portanto, que os grandes gênios se impuseram, contra tudo e contra todos. Mas há um outro lado que deve ser levado em conta. Por exemplo, o que seria de toda a arte da Renascença italiana sem o patrocínio dos reis e da Igreja? A quem devemos os afrescos de Michelangelo na Capela Sistina senão ao patronato do Papa Júlio II? É bom lembrar que o patrocínio cultural é coisa muito antiga, vem dos tempos anteriores a Cristo. A própria palavra ''mecenato'' vem de Caio Mecenas, ministro do Império Romano, que na gestão de Augusto César (63 a.C. - 14 d.C.) estimulou a produção cultural e ''financiou'' os poetas Horácio (autor das Sátiras, Epístolas e Odes), Virgílio (da Eneida, das Éclogas e das Geórgicas) e Ovídio (autor de Lamentos, Arte de amar e Metamorfoses). Cultura e marketing já estavam de mãos dadas desde tempos imemoriais e, embora tenham mudado as formas de incentivo e, ao mesmo tempo, aumentado os setores e entidades a serem alcançados pelos benefícios, a essência continua a mesma.


A importância do papel das empresas que investem no patrocínio de produtos culturais é do conhecimento geral. Agora, o status do patrocínio mudou, passando a representar um papel estratégico dentro do organograma das empresas, que ampliam seu campo de atuação através de novos conceitos de mercado.


Como salientou o professor de Harvard, David Ellis, num recente seminário sobre gestão cultural promovido pelo Senac-Rio, ''são muitas as vantagens para as empresas que apoiam instituições culturais. Em primeiro lugar, é visto por muitos como a empresa evidenciando o seu apoio para a comunidade na qual opera. Algumas pesquisas recentes em Boston sugerem que é importante para os membros da comunidade. Em segundo lugar, a empresa está ajudando a construir um meio ambiente atraente quando busca empregar pessoas para trabalharem na comunidade e quando tenta manter seus empregados. Em terceiro, o apoio à cultura é visto como uma atividade a mais para os empregados de uma maneira geral''.


A liderança nacional do Estado do Rio de Janeiro na área cultural é indiscutível.


Estudos sobre a presença do setor cultural no PIB fluminense, baseados nos tributos do ICMS (Estado) e do ISS (capital fluminense), indicam uma estimativa de 3,8% de participação da cultura no PIB do Rio de Janeiro, que chega hoje a R$ 160 bilhões. Assim, a cultura alcança o valor de R$ 6 bilhões anuais, gerando emprego para milhares de pessoas. O setor cultural é, portanto, altamente estratégico.


Queremos dimensionar a cultura como valor econômico. Um dos projetos é levar para o povo fluminense, num curto intervalo de tempo, sessões de cinema a R$ 1, em todos os 92 municípios, pois 67% destas cidades não tinham acesso à sétima arte, que hoje vive uma nova fase de expansão em nosso país.


As ações da Secretaria de Cultura no setor do cinema têm contado com o apoio do Instituto Telemar, mas a ajuda poderia também vir do governo federal, através do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), dono de um orçamento representativo, embora não foque sua atuação nessa área cultural.


Outro bem cultural a se considerar é o acesso da leitura a todos. Com o apoio da Biblioteca Nacional, será universalizado o atendimento no Rio de Janeiro, uma antiga aspiração dos homens de cultura.


O mesmo se fará na área do teatro, outra vocação nossa que teve origem nas andanças do Padre José de Anchieta entre nós. O missionário jesuíta acreditava piamente no valor do teatro como instrumento educacional. Vinculou o teatro à escola.


A questão do patrocínio cultural passa obrigatoriamente pela Lei Rouanet, que tem sido alvo de muitas críticas.


Segundo produtores culturais, a Lei Rouanet não possibilita um acesso mais simples aos benefícios. Para reverter esta situação, o Ministério da Cultura (MinC) pretende promover algumas mudanças na legislação. Ainda em fase de debate, estas mudanças já estão provocando polêmica, pois deverão repercutir profundamente no atual modelo de incentivo.


A intenção do governo é criar a possibilidade de beneficiar cada vez mais projetos, democratizando o acesso aos produtos e bens culturais, avaliando a qualidade e pertinência dos projetos apresentados, facilitando e apoiando pequenos empreendedores, desburocratizando e melhorando os instrumentos de gestão e desconcentrando o acesso aos recursos da lei.


Por mais controvertidos que sejam os critérios de promoção cultural através dos incentivos, a intenção deste patronato moderno, adaptado à complexa realidade do século 21 que se inicia, não se distanciou muito daquela que moveu o mecenato de antigamente. Ou seja: procuram-se, urgentemente, os Michelangelos e Van Goghs da nossa época. Se surgirão, só o tempo dirá, mas a gestão cultural é, sem dúvida, o melhor caminho para esta busca.


 


Jornal do Brasil (Rio de Janeiro) 26/01/2005

Jornal do Brasil (Rio de Janeiro), 26/01/2005