Portuguese English French German Italian Russian Spanish
Início > Artigos > Opinião: Os sustos da democracia

Opinião: Os sustos da democracia

 

O Supremo Tribunal Federal tomou, nestes dias, duas decisões críticas sobre o progresso institucional de nosso regime político. Este que, para além da simples correção eleitoral, envolveu a melhoria da representação ou o controle entre os poderes. Os acórdãos vão agora mais longe e se referem aos limites desta mesma representação no Legislativo ou do que venha a ser a extensão efetiva da fiscalização externa do Judiciário garantido pela iniciativa nova e difícil do Conselho Nacional de Justiça.


Os votos, significativamente, foram unânimes, mostrando um desejo nítido da Corte Suprema de compaginar esta democracia profunda, que permite a Lei Magna. Na discussão da chamada cláusula de barreira, ou no trato da permissividade salarial dos poderes, o Supremo manifestou-se sobre os avanços e retrocessos, a esta altura da nossa cultura política, na tolerância com o clientelismo partidário ou a benesse dos vencimentos públicos. E enfrentou as suas práticas mais recentes do Legislativo e do mais promissor dos novos órgãos de avanço institucional, qual o Conselho Nacional de Justiça.


Ao revitalizar os partidos nanicos, o Supremo opôs-se à proposta amplamente amadurecida do Legislativo, no sentido de emancipar-se da indústria das minissiglas, para a apropriação das vantagens do aparelho, suas verbas, sua negociação parlamentar, fora do jogo mínimo dessa expressão representativa. Foi o próprio Congresso quem definiu, afinal, pela discussão interna, o limite para que prosperasse a legítima manifestação de minorias ideológicas, e a expansão determinada da sua vontade política. Não ficam no mesmo balaio PTBs, PVs, PRBs, ou o PSOL ou o PPS.


A lei embargada, aliás, não eliminou a viabilidade dessas siglas, nem a sua condição de propaganda, mas, essencialmente, o blefe no seu poder de barganha, interferindo em mesas de Assembléia e complicando a negociação de maiorias políticas ao inflacionar seu poder de votos por um direito, a priori, a cargos e vantagens.


A decisão do Supremo torna ao nível do mar a velha barganha política, multiplica o feudalismo partidário e trava o avanço democrático. Ou seja, a da busca da política de ideologia, para qual é essencial o alinhamento de macro-frações partidárias, que começariam a se delinear com a aplicação do novo regime, a partir de 2007. Claro, o impasse levará à aceleração na reforma política, mas a decisão do Supremo não deixa dúvidas quanto à necessidade de que a preceda uma emenda constitucional, para definir-se o limite do pluralismo político, a garantir nacionais da vontade partidária.


Já, em compensação, o Supremo, em boa hora, travou os primeiros arroubos do Conselho Nacional de Justiça, ameaçado do poder corporativo, em que todo o aparelho institucional num Estado de desenvolvimento arrisca-se em incidir diante dos velhos vícios da cosanostra. O CNJ já disse ao que veio e, fulgurantemente, barrando o nepotismo no Judiciário. Mas como se contradiz, a seguir, mantendo as benesses das férias coletivas, ou da ruptura dos tetos de remuneração do aparelho público brasileiro?


Este fim de ano, por outro lado, pode levar o Supremo, em contraposição, a agradecer ao Legislativo, em dois passos decisivos do nosso avanço institucional. Finalmente aboliu-se, pela aprovação da súmula vinculada, o estigma ancestral da repetição, como de ulemás islâmicos, do decidido, redecidido e re-redecidido nos tribunais. Tal como ganhou a nossa Corte Suprema o poder de inverter pautas de decisão, em bem dos casos relevantes para a mudança social.


O Legislativo que batalha por um Judiciário moderno cobra, hoje, da Corte o que espera a democracia profunda, sem sustos nem retrocessos, no Brasil das clientelas e das siglas políticas do pague-e-pegue e das beiradinhas orçamentárias.


Jornal do Brasil (RJ) 13/12/2006

Jornal do Brasil (RJ), 13/12/2006