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Obsessão pela palavra

 

O famoso "Dicionário de Oxford", modelo dos livros dessa categoria, estava próximo de ser lançado, quando o responsável pelo empreendimento, dr. James Murray, quis visitar o melhor cooperador da obra, que nunca aparecera pessoalmente e mandara suas contribuições - palavras, expressões, sugestões, indicações de fontes - de outra região da Inglaterra e que fora considerado o colaborador número um do "Oxford English Dictionary".


 


Seu nome: W. C. Minor, americano de nascimento e antigo soldado do Exército dos Estados Unidos, residente há muito em território inglês.


 


Dr. Murray chegou ao endereço na região de Berkshire, depois de uma prolongada viagem ferroviária, entrou numa casa de tijolos vermelhos, onde foi recebido por um homem de evidente importância e disse:


 


- Até que enfim, depois de tantos anos, conheço meu mais antigo colaborador e assíduo companheiro de trabalho no "Dicionário Oxford", Dr. W.C. Minor?


 


Resposta:


- Lamento dizer que não sou eu. Sou, na verdade, o diretor do Manicômio Judiciário Broadmoor. O dr. Minor com certeza está aqui. Mas como interno. É paciente há mais de 20 anos. É mesmo nosso mais antigo residente.






Esta é a espantosa e verídica história contada por Simon Winchester no livro "O professor e o (demente)". Os organizadores do OED haviam remetido cartas e impressos para várias regiões dentro e fora da Inglaterra pedindo a colaboração de qualquer especialista em "palavras".


 

O que o demente de Broadmoor era. Vinte anos antes morava num bairro pobre de Londres quando seu quarto foi assaltado e ele, como antigo militar, perseguiu com um revólver o assaltante e, por engano, matou um pacato cidadão que se dirigia, de madrugada, ao seu emprego. Preso, acabou tido por demente.


 


No manicômio, teve conhecimento do apelo do pessoal de Oxford e, como estudioso do idioma, escreveu ao OED enviando estudos sobre palavras e, ao longo de 20 anos, mandou e recebeu correspondência para e do dr. Murray, com análises perfeitas de palavras, expressões e mostrando um evidente conhecimento de outros idiomas em buscar símiles e idéias.


 


O assunto ganhou os jornais com textos como o do jornalista Hayden Church, que iniciou assim uma reportagem sobre o assunto: "Assassino americano ajudou a escrever o `Dicionário de Oxford'". Surgiu então a idéia de ser Minor levado para os Estados Unidos, em condições especiais, com pessoas que dele tratariam.


 


Trechos dos textos enviados por ele no decorrer da feitura do OED apareciam em jornais e ele chegou a ser convidado, mas não compareceu, ao jantar que reuniu os que trabalhavam no "Dicionário". A festa ocorreu em 12 de outubro de 1897.


 


Não foi nada fácil Minor conseguir sua transferência para um hospital nos Estados Unidos. Depois de muitas idas e vindas, obteve-a ele por intermédio do então jovem político Winston Churchill.


 


Em abril de 1910, o doente foi colocado num vapor americano que o levou a Nova York. Estava de novo em sua terra. Minor viveria ainda perto de dez anos, tendo morrido em 26 de março de 1920. O "Oxford English Dictionary" levaria ainda mais oito anos para ser terminado, tendo o anúncio de sua conclusão sido feito no Ano Novo em 1927.


 


Sua última palavra foi "ZYXT" - com letras finais como o "Z", o "Y", o "X" e o "T", do antigo dialeto de Kent - que vem a ser a segunda forma do indicativo do verbo "ver" ("to see"). O curioso é que houve dezenas de milhares de palavras que se haviam extraviado e precisaram entrar num suplemento especial que saiu em 1933.


 


"O professor e o (demente)" é uma história fascinante de um assunto que poderia ser desinteressante, o que não é. Trata-se da biografia de um livro que se dedica ao que de mais importante criou o homem na sua busca do entendimento: a palavra. No caso, o trabalho de decênios, foi levado a efeito por uma equipe de dezenas de pessoas e que, através de pedidos de colaboração, acabou atingindo centenas de grupos.






"O professor e o (demente)", de Simon Winchester, é um lançamento da Editora Record. Narra a história de dois homens em sua paixão e obsessão pela palavra.


 


Tribuna da Imprensa (Rio de Janeiro) 18/07/2006