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O show do livro

 

Não se tem muita certeza se estamos vendendo mais ou menos livros no Brasil. A desconfiança é de que houve uma queda, produto de uma série de fatores, entre os quais avulta a falta de dinheiro proveniente do desemprego que marca o atual estágio da nossa economia.


Por isso, a realização de Bienais do Livro é sempre oportuna. A oferta, aguça interesses. Numa das efetivadas no Rio, participei de uma novidade chamada Café Literário, ao lado dos escritores Eduardo Portella, Carlos Heitor Cony, Carlos Reis, e Luiz Carlos Saroldi. O pretexto era uma discussão sobre o que se entende por um clássico. É claro que, diante de quase 100 espectadores, ninguém concordou com ninguém, como, aliás, era muito desejável.


Lembrei a opinião de Ezra Pound: “Clássico é o livro que muda a nossa visão do mundo.” Como aconteceu com a Bíblia. Os clássicos, em geral, foram produzidos por autores dos séculos XVI a XVIII, com inspiração na Antigüidade greco-romana. Sua maior característica é a abordagem das faculdades intelectuais em detrimento das emocionais, com uma visão objetiva do mundo. Um bom exemplo é o que René Descartes representou para o classicismo francês.


No Brasil, podemos citar Machado de Assis, que fez uma verdadeira escola, com a sua forma peculiar de tratar as pessoas (visão psicológica dos personagens), de que talvez o melhor exemplo seja o centenário D. Casmurro, e José de Alencar, por quem Machado tinha a maior admiração. Para publicar o seu clássico Iracema, em 1869, Alencar foi obrigado a pagar a edição do seu próprio bolso. Ele mesmo conta: “Não andei mal inspirado, pois antes de dois anos a edição extinguiu-se.”


Como se pode acompanhar pelo também clássico “Como e porque sou romancista”, a inspiração de José de Alencar veio da leitura. Leu de tudo, entre novelas, romances e folhetins, muito em voga na sua época. Até criar o romance brasileiro, tornando-se pioneiro, Alencar devorou clássicos como Voltaire, Balzac, Dumas, Lamartine, Chateaubriand, Victor Hugo, Byron, seus preferidos. Ele mesmo fazia a restrição: “As lições dos clássicos são limitadas.”


Para quem entendia que “a leitura nacional é a alma da pátria”, o desdobramento natural da sua carreira de escritor (iniciada com brilho aos 27 anos de idade, quando produziu O Guarani) seria ele mesmo tornar-se um bem-sucedido clássico.


Voltando à Bienal do Livro, provocado pela platéia, que queria saber dos contemporâneos, fiz menção ao presente Carlos Heitor Cony, com o seu Quase Memória. Um achado, muito bem escrito, recordando tempos de beleza sem par do nosso antigo Rio de Janeiro. A descrição das relações do escritor com o pai jornalista são primorosas, sobretudo quando ele narra a paixão pela confecção de balões, em que os dois se entretinham durante horas a fio. Sem dúvida, um clássico moderno.




Jornal do Commercio (Rio de Janeiro - RJ) 10/05/2004

Jornal do Commercio (Rio de Janeiro - RJ), 10/05/2004