0 Brasil inteiro está tomado de grande comoção e também de grande revolta. Não fomos feitos para viver tragédias desse tipo. Em Realengo, no Rio de Janeiro, um fronteiriço, possesso —esta é a palavra— entre a loucura e a maldade, invade uma escola e atira nos alunos que estavam em classe, faz tombar mortos dez meninas e dois meninos, além de ferir mais 13 estudantes, alguns gravemente.
A presidente Dilma Rousseff convidou-me para uma solenidade no Palácio do Planalto, às 11h de ontem, para comemorar o milionésimo empreendedor individual.
Nunca a vi tão triste e tomada de um sentimento de compaixão: tinha lágrimas em seus olhos. Ela cancelou a solenidade e transformou-a num minuto de silêncio. Em todos, um sentimento de solidariedade na dor das famílias dos mortos que tiveram, de súbito, seus filhos sem direito à esperança e ao futuro.
Merece uma reflexão profunda essa ininterrupta onda de matadores em escolas. A cultura anglo-saxônica é vulnerável a surtos de violência fanática que levam a tragédias desse tipo.
Disseminou-se no mundo esse mau e trágico exemplo.
Nunca podemos esquecer o que aconteceu no colégio Columbine, em Littleton, Colorado [em 1999], e na Virgínia Tech University [em 2007], nos EUA. Numa, 12 alunos e um professor mortos, noutra, 32 pessoas mortas e 15 feridas. O primeiro foi até mesmo motivo para um filme comovente, "Tiros em Columbine", de Michael Moore, um libelo contra a venda de armas.
As motivações que levam a esses fanáticos são de várias origens. Uns de doença mental, outros por motivos religiosos, outros por ressentimentos e ódio contra o mundo, e mais outros por esse fenômeno inconcebível do bullying.
Com ele, a escola —tempo da infância, lugar onde aprendemos a conviver, marcando nossas vidas para sempre, no afeto entre colegas— transforma-se numa câmara de tortura donde se foge e de que se tenta esquecer.
Ao saber do fato, lembrei-me, não sei por que, o poema de Lorca sobre o toureiro Inácio —"Dile a la luna que venga,/ que no quiero ver la sangre/ de Ignacio sobre la arena"— e a Igreja do Sangue Derramado, de São Petersburgo.
Essas meninas perdem o direito de viver e nos dão um sentimento de culpa pelo homem, a espécie capaz de gerar monstros. Nunca conseguimos dar adeus às armas e substituir o ódio pelo amor de uns aos outros. Que o sangue inocente dessas meninas e do menino sirva para, com revolta, chorar por esse mundo cão. Não temos palavras para falar dessas flores que murcharam.
E lembremos que o Brasil aprovou em plebiscito a continuidade da venda de armas.
Que esse exemplo nos leve a rever o erro.
Folha de São Paulo, 8/4/2011