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O real verde irreal

 

Ao passar outro dia pelo Aterro do Flamengo e ver uma equipe filmando, lamentei a grama cinza e esturricada pelo calor e pela falta de chuva. Fosse o diretor o cineasta italiano Michelangelo Antonioni, isso não ficaria assim. A principal sequência de "Blow-Up (Depois Daquele Beijo)" (1966), filme de Antonioni, se passa num parque em Londres. Um fotógrafo zanzando por ali vê um casal se beijando à distância. Fotografa-o e, ao revelar o filme, suspeita de algo no fundo. Amplia a foto e parece uma cena de crime. Daí, a partir de sucessivas ampliações, constrói a história. Mas não é isso que interessa.

O principal é que, ao inspecionar a locação, Antonioni observou que a grama do parque não sairia tão exuberante no filme —o technicolor não lhe faria justiça. Daí aplicou em todo o gramado uma tinta com certo tom de verde para que, no filme, ele saísse como na vida real. Deu certo. Eu sei, parece louco, mas com certos diretores é assim.

Federico Fellini, ao filmar em Roma "A Doce Vida", em 1960, achou que a famosa Via Veneto, onde se passa a trama, era muito escura para ser a rua febril que justificava o título. Não hesitou: construiu uma Via Veneto de eucatex em Cinecittà, da largura da original, iluminou-a de todo jeito e fez dela a rua que queria. O francês Jacques Tati também construiu em estúdio aquele complexo de arranha-céus de "Playtime —Tempo de Diversão", de 1966. Eram tantos interiores e fachadas monumentais, e custaram tão caro, que o querido Tati quebrou.

Billy Wilder, para uma cena campestre de "A Valsa do Imperador" (1948), mandou pintar à mão 5.000 margaridas de azul. E George Stevens, em "Os Brutos Também Amam" (1953), mudou a dinamite o curso de um rio no Wyoming (depois o devolveu).

A turma do Aterro teve de filmar com a grama esturricada e tudo. Mas, com o Pão de Açúcar ao fundo, deve ter ficado lindo do mesmo jeito.

 

 

Folha de São Paulo, 21/01/2024