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O proletário da pena

 

O título não lhe foi atribuído em algum concurso público. Ele próprio, com o seu aguçado espírito crítico, proclamou-se “proletário da pena”. Escrevia muito, fez 52 livros de sucesso, em 48 anos de vida (morreu em 1934), mas não conseguiu amealhar fortuna. Ficou rico de inimigos, um dos quais, João do Rio, foi vítima preferencial do Conselheiro X.X., apelido do escritor maranhense Humberto de Campos. Ao mesmo tempo, tinha grande admiração pelo estilo ornamental de Coelho Neto, seu conterrâneo  de São Luís.


Na capital maranhense, Humberto de Campos começou a vida como lavador de garrafas, o que jamais esqueceu. É dele o seguinte texto: “O dever do escritor pobre, em um país pobre, é manter-se no seu posto, sem ser pesado a ninguém, e comer, se preciso, o seu braço esquerdo, para que a mão direita permaneça livre e trabalhe infatigável, condenando o erro, espalhando o bem, semeando a verdade.” (1934).


Numa época em que o tema já era questionado, pois surgia um movimento favorável ao voto feminino, até então negado, ele provocou o sexo oposto, como lembra Gilberto Araújo, no seu “Humberto de Campos”, Editora Global, São Paulo, 2009, indo de encontro às sugestões da emancipação feminina: “As mulheres nasceram para ser as rainhas incontestáveis do lar, não devendo, por isso, ingressar no mercado de trabalho.” É fácil supor a reação provocada, sobretudo quando completou que “o trabalho feminino seria apenas a satisfação de um capricho.” Se fosse hoje, seria crucificado. Isso não o impediu de ser um grande defensor da negritude.


Humberto de Campos foi também um polêmico membro da Academia Brasileira de Letras. Leia-se o seu “Superstições literárias”: “As Academias constituem uma superstição literária. Aos que têm talento e paixão do trabalho, os seus diplomas e os seus prêmios não adiantam ou recomendam.” Nos idos de 1918, em “Da seara de Booz”, condenou os jovens enamorados pela ABL, embriagados por uma falsa ilusão. É claro que encontrou poderosos argumentos contrários, sobretudo quando tentou provar uma inverdade: a infecundidade literária da ABL (ele próprio o exemplo de que a sua tese não tinha procedência). Com o tempo, a ideia tornou-se ainda mais obsoleta, como provaram tantos imortais, como Jorge Amado e Rachel de Queiroz.


Tinha receio dos novos, como já vimos: “Os acadêmicos que outrora escreviam, não escrevem mais. E como os novos, na sua maioria, jamais tiveram a volúpia da criação literária, o resultado será a transformação da Academia, dentro de breve prazo, em terreno estéril...” Felizmente, nada disso prosperou.


Humberto de Campos passou largo período de tempo esquecido. Para isso colaborou também uma confusão familiar, que reteve os seus direitos autorais. Mas não será justo negar valor a quem escreveu, com tanto estilo e propriedade, obras como “Memórias”, “Diário Secreto”, “Mealheiro de Agripa”, “Os párias”, “Sombras que sofrem”, “Sepultando meus mortos”, “Contrastes” e “Perfis”, entre outras obras que jamais poderão ser esquecidas, na literatura brasileira.


Jornal do Commercio (RJ), 25/6/2010