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O povo de Lula no poder

 

A vitória do presidente não consagra apenas esta situação inédita da força do petista sem o PT, sem herdeiros, e cobrado a uma responsabilidade histórica sem volta. Por força, fica agora a trégua para a total avaliação, pelo presidente, do novo e amplo horizonte à sua frente, para dizer finalmente a que veio depois da chegada ao Planalto em 2002. Aí está consagrado por esse "povo de Lula", que impôs de vez uma nova consciência de mudança a partir do país da marginalidade e daqueles 33% de brasileiros ainda fora de uma economia de mercado e das condições de melhoria continuada, que passa a assegurar.




A tônica básica da vitória nasceu desse núcleo votante aquém até do proletariado, mas já atingido pelo toque da esperança, despertado pelo Bolsa-Família. No teor plebiscitário em que se revelou o segundo turno, veio o arrastão político das outras classes, chegando inclusive o de boa parte da classe média, que abandonara Lula, enojada, no primeiro turno.




Nessa maioria esmagadora de mais 20 milhões de votos, evidenciaram-se, inclusive, para o Brasil instalado, o pito passado no petista e a volta às boas com a reeleição triunfal. Mas, como vamos, de fato, ao passo adiante e até onde a euforia da vitória no presidente pode levá-lo a acolher um dramático passadismo, na agenda imediata do segundo mandato? De pronto, por esse restolho moralista, do vir de inopino à expectativa das "mãos limpas", como se, de fato, fosse essa a prioridade do país que lhe elegeu e afirma a exigência de vencermos a nação injusta, independentemente do que pense o país decente.




Pode o presidente, na força do novo embalo político, desperdiçá-lo pelo aranzel da purga da corrupção, que já sabemos não chega a lugar algum, tanto a cosanostra é um condômino de toda classe política. Mais ainda, foi o novo Congresso que herdou parcela sensível de mensalistas e sanguessugas, reeleitos por estupendas maiorias de voto. É possível, através de exorcismos e cassações, lavar a boa consciência de um eleitorado quando o avanço nos dinheiros públicos está na medula mesmo do atual sistema e é só pela sua alteração estrutural que se pode pensar numa plataforma de efetiva ética política?




Contraste. Aceitando-se, por força, o imperativo como essencial a toda consciência de um governo, o que espera o povo de Lula é, de fato, que se possa melhorar o devastador contraste da riqueza brasileira e o avanço dessa política de acesso, mesmo antes do emprego, que representou a chegada dos desmunidos à educação, à saúde e ao estímulo do Bolsa-Família. Nessa mesma medida, Lula não tem por que cair nos pactos de união nacional, zerando a disputa da reeleição no ninho quente indistinto de um novo governo.




Por uma vez, aliás, e sentindo a fratura, o PFL pagou o preço de se transformar num partido ostensivamente conservador e manter, postumamente, a perspectiva da contradição entre os dois Brasis. Alckmin se encarregou de exacerbá-la, ao indicar também de que forma um novo tucanato só faria tornar a um status quo. Não se trata, pois, de aplicar-se ao Brasil o sistema da concertación, à moda do Chile, onde, afinal, a maioria da presidenta foi mínima, e todo passo adiante exige a negociação infinita da falta de nitidez e mobilização maciça do eleitorado. A tentação também de Lula pode ir à mediação de seu ministério por jogos de maiorias no Congresso, tal como se tivesse no campo da iniciativa legislativa as prioridades atuais do dizer a que veio a seu povo.




Esse novo desembaraço de ação política começa, sobretudo, em todo o Nordeste. O apoio de 70% a 80% da população leva necessariamente os próprios partidos, para além da sua sigla, a apoiar o Planalto com vistas já e inclusive às eleições municipais. Nesse quadro, o PMDB ganha articulação fundamental, podendo até sobrepor-se ao PT e, a partir da componente nordestina, transformar-se num partido que sai da clientela para se abrir à mudança e, quem sabe, buscar os votos do outro Brasil.

Lula tem diante de si o compromisso de não transigir uma dimensão do seu sucesso. E, sobretudo, de não se trair por um reflexo condicionado do velho na organização do país à frente. O ministério responderá ao povo de Lula mais que aos xadrezes gastos do Brasil que superou.


Jornal do Commercio (RJ) 13/11/2006

Jornal do Commercio (RJ), 13/11/2006