A pergunta da repórter ao oceanógrafo era se as misteriosas manchas das praias do Nordeste, que há dois meses não param de descer no mapa, podiam chegar a Santa Catarina. A resposta foi que era possível, embora não fosse provável. Fui dormir com essa hipotética ameaça, suficiente para se transformar num pesadelo: e se elas resolverem passar pelas praias do Rio?
Os números alimentam essa paranoia: o óleo não para de se espalhar. Já atinge 2.200 kms de extensão em nove estados, 92 municípios, um total de 254 localidades afetadas. Enquanto isso, o ministro do Turismo posava molhando os pés e as mãos no mar de Muro Alto, em Ipojuca, Pernambuco, decretando: “As praias estão completamente aptas à frequentação de turistas”. No mesmo dia, o diretor da Agência de Meio Ambiente do estado advertia que ainda havia óleo na água, o que a tornava “imprópria para a recreação” .
Igualmente patético foi o presidente em exercício Hamilton Mourão, sem camisa diante das câmeras, afirmando: “O óleo já foi recolhido. Hoje não tem mais nenhuma praia suja no Nordeste”. Tem, sim, general, apesar das duas mil toneladas de óleo recolhidas em cerca de 200 praias.
O ministro do Meio Ambiente também esteve no Nordeste, mas preocupado em encontrar um culpado. Assim como o presidente tentou responsabilizar as ONGs pelas queimadas, e teve que voltar atrás por falta de provas, o ministro tentou acusar o Greenpeace, também irresponsavelmente, usando o trocadilho “greenpiche”.
Em reportagem ontem, Ana Lucia Azevedo e Luana Ribeiro mostraram como a tragédia ambiental gerou um sério drama social. “Muitas famílias correm o risco de passar fome. As pessoas estão com medo de comprar marisco e peixe, e os governos parecem não se importar”, declarou Ana Paula Santos, líder da comunidade de marisqueiros da Ilha da Croa, em Alagoas.
Em meio ao descaso oficial, ressalte-se o papel dos voluntários — estudantes, professores, pesquisadores, banhistas — cuja ação, mesmo sem equipamentos adequados e pondo em risco a própria saúde, tem sido fundamental.