Não temos precedentes de um intelectual e pensador ter ocupado a manchete da primeira página dos principais jornais brasileiros, à ocasião de sua morte. Eric Hobsbawn vai a este impacto, trazendo ao nosso País a mesma repercussão universal nas nações ocidentais. Marca-se, por aí, ao mesmo tempo, um avanço de uma consciência generalizada do mundo contemporâneo quanto à reflexão e ao compreender do nosso tempo. Não é, aliás, outra a qualificação que Horkheimer empresta para o avanço da contemporaneidade no seu entendimento radical, e no que seja este “ser-no-mundo”, em todo o peso da nossa história. Não se conhece arco mais amplo dessa aventura de espírito do que a de Hobsbawn, na consciência do universo após o Renascimento e o “Século das Luzes”, e de seu tempo interior de apreensão. Dos tempos longos aos concentrados, na capacidade única de entender o mais crítico dos conceitos, qual o de revolução, e mantê-la na dialética do reenvio de seus extremos. Hobsbawn manteve a enciclopédia do marxismo, no reenvio exemplar entre a razão e a militância, no empenho de transformação permanente de seu contexto. Jamais abandonou o compromisso partidário, nem a minudência no acompanhar a realidade, e trouxe, inclusive, à sua vivência, a experiência brasileira e, a partir do jazz, todo o cursivo de sua expressão popular.
A morte de Hobsbawn sucedeu, de dias, a de Carlos Nelson Coutinho, a nossa contrapartida, em compreensão, do filósofo britânico, na envergadura do entender e no ethos da participação política. Mas confrontou a ortodoxia marxista, no estabelecer como priori de uma nova dialética intransgredível a premissa da democracia no processo político contemporâneo. Rompeu com o partido, aproximou-se do eurocomunismo, e trouxe, de logo, nos cursos na UFRJ, o testemunho do concretíssimo social no seu périplo político. Aderiu ao PT; dele se desligou por vê-lo demasiadamente reformista na chegada ao poder, e fez da sua visão o berço conceitual do que pedia como as verdadeiras esquerdas brasileiras, por sua vez, e, também, a fugirem das facilidades do radicalismo. Devemos a Carlos Nelson uma presença brasileira universal, no entendimento de Lukács e de Gramsci, reconhecido o nosso pensador, na linha de ponta do nosso tempo, na vertente em que esta exigência dialética retornaria à de Hobsbawn. Mas, sobretudo, e exatamente nesse arco extremo do pensamento, Carlos Nelson reinsere toda a compreensão contemporânea, remetendo-a a Rousseau, para traçar uma continuidade do Iluminismo, frente à razão crítica do nosso tempo. E, no que fica como a riqueza de seu epitáfio, não vai à glosa ou à enciclopédia, mas à lição da humildade e da natureza, sempre aberta, de seu refletir. Deixa inacabada uma “História da Filosofia”, na adição da inquietude de sua esperança e, na entonação gramsciana, às surpresas, sempre, do real concreto.
Jornal do Commercio (RJ), 12/10/2012