Há uma frenética corrida no país para regulamentar profissões. São dezenas de projetos que diariamente chegam às casas legislativas. Uns bons, outros nem tanto, mas os textos de todos excessivos na tentativa de dominar espaços exclusivos, que defendem território mais do que ursa no cio.
A primeira trombada que tiveram foi o Supremo Tribunal Federal concluir que a Constituição não permitia exclusividade ao diplomado em jornalismo para escrever em jornais. Se é livre a manifestação da opinião, a liberdade de pensar e escrever, como restringir publicá-las? No momento em que se torna exclusiva de um grupo profissional, excluímos aquilo que é a fonte maior do jornalismo, o escritor. E isto é tanto verdade que os intelectuais do país foram afastados em grande parte dos jornais, morreram os suplementos literários e há anos estamos mergulhados somente na matéria sensacionalista da mídia impressa.
A internet, de certo modo, e a decisão do Supremo estão abrindo espaços neste mar de obscurantismo que se tornou a literatura brasileira dos últimos anos, ou mesmo decênios. Os jornais têm culpa porque sempre foram eles os alavancadores das vocações que surgiam e depois cresciam e espalhavam talentos. Todos os grandes escritores do século 19 e do século 20 passaram pelos jornais e por eles foram lançados. Hoje, o espaço destinado aos escritores é estreitíssimo ou inexistente. Devemos repetir: os nossos intelectuais estão afastados da mídia impressa, e se recolhem em guetos que atuam para públicos específicos, o maior e melhor deles a universidade.
Agora mesmo está no Congresso um projeto de lei regulamentando a profissão de historiador. Assim, ninguém vai poder escrever sobre História se não estiver enquadrado dentro dessa profissão, incorrendo quem quiser fazer novela, romance, ensaio ou estudo histórico para publicação, em sanções por violação da lei ou submeter-se aos historiadores diplomados.
A fobia da regulamentação me faz lembrar uma anedota histórica que não sei exatamente onde li, mas aventuro-me a dizer que foi no Brasil anedótico, de Humberto de Campos – o maior e mais lido em todos os tempos como mestre da crônica, idolatrado no Rio de Janeiro. Um nobre fora visitar Pedro II enfermo. Este, sentindo-se mal, pediu o orinó. O nobre gentilmente aventurou-se a buscar o vaso para o soberano urinar. Foi violentamente interrompido pelo camareiro-mor (os nomes esqueci) que disse enérgico: “Quem tem a honra e a atribuição de levar o penico a Sua Majestade sou eu”. Estava regulamentado nos costumes da Corte. Será que vamos retroceder a esse tempo?
Folha de S. Paulo, 4/6/2010