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O modo verbal de nosso tempo

 

E se o TSE cassar a chapa Dilma-Temer? E se Eduardo Cunha conseguir se safar mais uma vez? E se o Senado não aprovar o impeachment da presidente?

O país já foi muito pior, como durante as ditaduras — a do Estado Novo e a dos militares — mas não tão imprevisível e surpreendente como agora. Quando leitores me perguntam “o que vai acontecer?”, eu respondo: “Se souber, fala comigo, porque eu também não sei”. São tantos os imponderáveis que qualquer previsão corre o risco de ser desmentida daqui a pouco. Vivemos um momento de aceleração do tempo, de vertigem, em que os acontecimentos se precipitam e mudam mais que seleção de Dunga e ministério de Temer — a cada hora um titular dos dois times é substituído. E essa incerteza não é só dos observadores, é também de calejados atores do processo. Quando é que os experientes senadores José Sarney e Renan Calheiros, catedráticos em esperteza, poderiam supor que o amigo e protegido Sérgio Machado era um homem-bomba capaz de, com traição, causar tantos estragos em suas biografias? Antes se dizia: “Não fale certas coisas ao telefone”. Agora, não se deve falar nem consigo mesmo trancado no banheiro: parece que já há chuveiros que, quando abrem, acionam um gravador. 

O grande Stefan Zweig, com seu livro-exaltação “Brasil, país do futuro”, de 1941, se esqueceu de acrescentar que era um futuro do subjuntivo, que vem sempre acompanhado de um “se”. Deixa de ser um país do futuro, se atender a determinadas condições, se cumprir tais e tais exigências, se.... Senão, corre o risco de daqui a 75 anos continuar sendo o país do futuro. No famoso poema “Se”, de Rudiard Kypling, que embalou a adolescência de minha geração, há mais de 30 “se”, ou seja, de metas a cumprir para que alguém possa considerar-se um verdadeiro homem: “se, enganado, não mentir ao mentiroso”/ “Se, odiado, ao ódio te esquivares” e assim por diante. Esses são os “se” condicionais.

Mas são os “se” de ações hipotéticas, aquelas possíveis ou até prováveis, as que mais inquietam e afligem hoje o mundo político. Por exemplo: e se o TSE cassar a chapa Dilma-Temer? E se Eduardo Cunha conseguir se safar mais uma vez? E se o Senado não aprovar o impeachment da presidente afastada? E se a bala de Sérgio Moro atingir todos os que estão na sua lista de investigados? E se fracassar definitivamente o pacto de Romero Jucá para “estancar a sangria” da operação? E se a República não resistir à “República de Curitiba”?

Mas vamos parar de pessimismo. O Brasil é maior do que a crise, sempre dá a volta por cima, é abençoado etc etc. Vai dar tudo certo, se Deus quiser e se a Lava-Jato deixar.

O Globo, 04/06/2016