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O Martírio de Branca Dias

 

O acadêmico e crítico literário Antonio Olinto, a quem dedicamos o livro, foi gentil ao proclamar que se trata "de uma obra das mais contundentes da nossa literatura sobre a Inquisição no Brasil". Acrescenta que ficou fascinado pela visão ao mesmo tempo realista e analítica do Brasil, tal qual se apresentava nos seus primeiros anos de existência.


Somos partidários de que esses fatos sejam periodicamente relembrados, na forma de ensaio ou até romance, para evitar o lamentável esquecimento. Não, não se pode fingir que nada disso ocorreu em Portugal, na Espanha, com ramificações no Brasil. Foram perseguições e assassinatos de cristãos-novos, índios e mamelucos, num prenúncio do que, séculos depois, viria a se transformar no maior de todos os crimes, que foi o Holocausto, na II Guerra Mundial, sacrificando a vida de 6 milhões de judeus.


Esta edição da FMU, lançada na Academia Brasileira de Letras, mereceu o comentário do romancista Carlos Heitor Cony: "Um poeta (Drummond), um teatrólogo (Dias Gomes, em "O Santo Inquérito", 1966) e numeroso elenco de pesquisadores e ensaístas colocaram Branca Dias na agenda cultural brasileira. É a vez agora de Arnaldo Niskier abordar o martírio de Branca Dias, transcendendo os limites da lenda ou da realidade, centrando-se no tempo e no modo de uma época em que predominava o fanatismo religioso."


A primeira Branca Dias teria morrido entre 1579 e 1589. Assim como a Branca Dias paraibana, foi julgada e condenada à morte pela Inquisição, acusada de professar sua fé no judaísmo. Aqui se trata de uma parte escrita como ensaio histórico, pois a personagem era real, assim como dezenas de outras que povoam a História do Brasil. Na obra, que nos custou cinco anos de trabalho (sobretudo de pesquisa, especialmente em Portugal e Holanda), estão presentes costumes da época e uma descrição correta das práticas da Inquisição, ela mesma caracterizada por encarniçadas disputas internas, na defesa de interesses escusos.


Esses fatos chegaram a comover poetas como Carlos Drummond de Andrade: "É acusada de judaísmo/ Já vão prendê-la/ Atira jóias e prataria na correnteza/ A água vira Riacho de Prata/ Morre queimada no santo lume da Inquisição em Portugal/ Reaparece na Paraíba, em Pernambuco/ Sob o luar toda de branco/ Sandálias brancas e cinto azul-ouro..."


Branca Dias não se conformou com as perseguições. Ela buscou consolo na sua crença, em tudo o que o judaísmo representava em seu coração, afirmando que nunca foi desonroso morrer por uma causa justa: a defesa do direito, da justiça e da liberdade, como preconizou o profeta Isaías. Para concluir que estará no céu, ao lado de todos os seus irmãos, ao alcance da sua grande e insubstituível fonte de inspiração. "Este é o meu pacto com Deus, em quem sempre buscarei abrigo e refúgio." Uma das nossas mais corajosas heroínas.


Jornal do Commercio (RJ) 26/1/2007