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O mandato pertende ao partido

 

Pode-se bem entender que a intenção dos formuladores de nosso sistema proporcional foi a de conferir aos partidos a titularidade dos mandatos eletivos.


Inicialmente, pelo nosso primeiro Código Eleitoral, o Decreto nº 21.076, de 24 de fevereiro de 1932, votava-se em lista, em um número de candidatos que não excedesse o de elegendos mais um. Falava-se em dois momentos de apuração, sendo eleitos, no que se denominava “1º turno”, os candidatos que tivessem obtido o quociente eleitoral e, na ordem de votação obtida, tantos candidatos registrados sob a mesma legenda quantos o quociente eleitoral partidário indicasse. Estariam eleitos, em “2º turno”, os outros candidatos mais votados, até que se preenchessem os lugares que não tivessem sido preenchidos no “1º turno”.


O modelo, formulado por Assis Brasil, o mais importante membro da comissão designada por Getúlio Vargas para estudar e sugerir a reforma da legislação eleitoral, recebeu a crítica de ser uma fórmula mista, de transação, de acomodação de sistemas opostos, proporcional no 1º turno e majoritária no 2º. A censura foi enfrentada por Assis, para quem a apuração no 2º turno deveria “constituir um prêmio ao ganho de causa da facção mais poderosa”.


Com a Constituição de 1934 e sua determinação de que seriam eleitos os deputados “mediante sistema proporcional”, teve-se que alterar o Código, com a edição da Lei nº 48, de 4 de maio de 1935. Seu art. 89 dispôs: “Far-se-á a votação em uma cédula só, contendo apenas um nome ou legenda e qualquer dos nomes da lista registrada sob a mesma”.


A lista permaneceu, assim, intuída. Equivocam-se, então, aqueles que julgam que nosso sistema proporcional, com a originalidade da “escolha uninominal, pelo eleitor, a partir da lista oferecida pelos partidos”, despreze essa lista.


E o fato de que um número ínfimo de deputados e vereadores se eleja alcançando, com seus votos nominais, o quociente eleitoral, e dependendo, assim, dos votos dados aos companheiros de legenda, reforça o entendimento de que pertençam aos partidos os mandatos.


Além disso, a filiação partidária é condição de elegibilidade (art. 14, § 3º, da Constituição Federal) e só podem concorrer às eleições candidatos registrados por partidos (art. 87 do Código Eleitoral). A troca de partidos contribui para diminuir o grau de representatividade do regime democrático brasileiro, pois o voto dado a um partido é transferido a uma outra legenda, o que implica desrespeito à vontade do eleitor e alteração da representação política saída das urnas.


Disso decorre a falta de identidade partidária, pois o eleitor não vincula o candidato ao partido político e, por conseguinte, ao programa e aos estatutos partidários. Com isso, passa a votar no indivíduo, muitas vezes em função de critérios pessoais, em descompasso com o próprio sistema que – como se viu – necessariamente relaciona o voto ao partido.


A elevada migração partidária leva, ainda, ao descrédito do Legislativo. Com efeito, o cidadão atribui essa prática ao predomínio de interesses particulares dos parlamentares, ao governismo e ao comportamento espúrio, pois muitas vezes a imprensa noticia “vantagens” obtidas com as seguidas trocas de partido.


Com a alteração constitucional que estou submetendo a deliberação do Congresso Nacional, e sua conseqüente extensão na legislação ordinária, encerra-se o processo das mudanças partidárias pelos parlamentares. Na 52ª Legislatura (fev/2003 a jan/2007), apenas para dar um exemplo, trocaram de legenda 38% dos representantes da Câmara dos Deputados.


E, afinal, avança-se no sentido da consolidação dos partidos que, no Brasil, apresentam uma deprimente trajetória. Analistas como Bolivar Lamounier chegam a deplorar seja o Brasil, no nível econômico e social em que se situa, caso único de “subdesenvolvimento partidário”.


Jornal do Brasil (RJ) 30/3/2007