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O maior repórter

 

Embora tenha escrito mais de 20 livros, alguns dos quais sobre a epopéia vivida na Itália, como correspondente de guerra, Joel Silveira tinha orgulho da sua condição de repórter, seguramente o maior de todos da nossa geração. Superou Samuel Wainer, também um mestre.


Convivemos durante muitos anos, na redação da Manchete, onde sua presença era motivo de permanente alegria. Sempre bem-humorado, sarcástico, só ficava sério mesmo na hora de escrever os seus admiráveis textos. Ninguém o superava, até porque gostava imensamente do que fazia. Assim como gozava os grã-finos de São Paulo, em matéria de grande repercussão, era capaz de incursionar pelo Brasil, movido pelo seu faro jornalístico, em busca de fatos que retratava com rigorosa clareza de estilo. Aí até rivaliza com o seu contemporâneo Rubem Braga, outro jornalista que igualmente cobriu a participação da FEB na II Guerra Mundial. Ambos foram cristalinos em tudo o que escreveram, sem parábolas desnecessárias, nem muito menos procurando demonstrar erudição. Não precisavam desse artifício.


Joel, que agora deixa o mundo, aos 88 anos de idade, foi sobretudo um bom caráter. Orgulhoso de ter  nascido em Sergipe, amava a sua Iracema e gostava de homenagear os amigos, mesmo sendo de posses limitadas. “Apareça lá em casa para tomar um uisquinho” era frase que gostava de repetir, embora nos últimos anos tivesse sido terminantemente proibido de beber. Não reclamava da vida.


Quando voltou de uma temporada na Amazônia, escrevendo um dos seus textos irretocáveis, resolveu oferecer um jantar, com tudo a que tinha direito, ao repórter-fotográfico que o havia acompanhado na missão. Tratou Gil Pinheiro, o felizardo, como se fosse um chefe de estado. Nessa humildade, a sua grandeza. Os que tiveram o privilégio de comparecer deliciaram-se com as histórias contadas por Joel, inclusive reminiscências da difícil cobertura da Guerra e a gloriosa participação dos nossos pracinhas. Gostava de repetir a recomendação que recebera de Assis Chateaubriand, quando o despachou para o front: “Não morra, porque repórter não foi feito para morrer, é para trazer notícias.”


Foi um crítico do regime militar, como dele se poderia esperar. Antes, no “Diário de Notícias”, que dirigiu, defendeu ardorosamente a lei 2004, no governo Vargas, que criou a Petrobras. Merece uma homenagem.


A prova de que Joel Silveira foi uma grande referência moral pode ser resumida na sua negativa de receber dinheiro “como vítima da Revolução”. Embora em dificuldades financeiras, quase uma constante em sua vida, foi bastante enérgico ao recusar o que lhe oferecia o Sindicato dos Jornalistas. “Não vejo sentido nisso”, resmungou, para concluir: “Não sou anistiado político.”


Vencedor dos prêmios Jabuti, Esso e Machado de Assis, este da Academia Brasileira de Letras, morreu sem ter realizado  sonho de escrever uma grande história sobre o governo Jânio Quadros, conforme promessa feita a José Aparecido. Foi-se o amigo, mas o seu nome será sempre lembrado como escritor e jornalista de presença ímpar na cena brasileira.


A Gazeta (ES) 27/8/2007