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O lulismo: futuro do petismo?

 

As análises profundas de Maria Sylvia Carvalho Franco e Sérgio Fausto sobre a dinâmica do lulismo fascinam por uma nova inquietação: como vai a nossa inteligência de fato reagir ao novo governo, na esteira do atual Planalto? O que inquieta, nestes primeiros rasgos, é a sedução dos intérpretes por um contraditório fácil, em que as visões sumárias de uma ideologia e contraideologia não abram espaço para uma aposta no ineditismo da presente experiência brasileira da mudança.
 
A visão crítica dos articulistas é, de logo, regressiva e vai à retórica da indignação, a se forrar das diatribes do moralismo, de todo impermeável à possível novidade desses tempos de Lula. Interdita-se toda prospectiva - como reclama qualquer reflexão histórica - ao remeter o que está  acontecendo aos esquemas tão só do já visto.
Os impasses do lulismo envolveriam a redução do que aí está ao controle de um grupo ou camarilha, numa "técnica de mera dominação, feita do medo e da esperança", deixada às predigitações publicitárias e ao profissionalismo dos marqueteiros.

Sérgio Fausto se soma a Maria Sylvia, sempre na toada regressiva, para entroncar Lula ao Varguismo, numa visão ambígua do que seja o intervencionismo dos dois Presidentes, na inércia social e econômica do seu tempo, e nesta "combinatória de autoritarismo e protecionismo coletivo". 

O populismo do meio século resultou de uma ação fundadora, que antecipou a consciência social dos despossuídos, no oposto à tomada de consciência hoje pelo "povo de Lula", ao mesmo tempo agente e beneficiário desta nova condição de poder no país. Esta emergência não se reconhece em atores particulares, nem vinga pelo desforço de "camarilhas", nem chegou ao Planalto pelo apetite de um restrito conjunto de dirigentes. Nem resultou na criação de um Estado sindical, ainda que democrático, na repartição equilibrada na entrega de Ministérios às corporações. 

As contradições à frente do nosso processo social, e pelas quais avançará a mudança, não podem ficar presas a uma racionalidade obsoleta, nem associar a crítica de Lula e de sua sucessão ao mesmo cantochão do udenomoralismo da queda de Vargas.

O novo hoje do Brasil que elegeu Dilma não é o desta combinatória pobre entre esperança e medo, mas de confiança e experiência deste avanço intrínseco de uma cidadania, de um fruir coletivo tocado pela mudança e a ganhar novas formas de pressão social e de coalizões emergentes. A se superar as ideologias e olhar a prática que as desborda, importa, sim, verificar o quanto os bolseiros nascem arredios à velha consciência sindical, em novos padrões de consumo, ou como a agricultura familiar vai ao "vis-à-vis" com os sem-terra, e estes mantêm, ou não, a natureza comunitária do seu ímpeto coletivo.

Mas é, sobretudo, nos imediatos impactos do fenômeno da direta redistribuição de renda que há a atentar sobre a condição dos antigos movimentos sociais no efeito das ditas ONGs sobre o parasitismo crescente da verdadeira mobilização da sociedade, entregue ao mito de uma "auto-organização" apartada da experiência concreta e diária da mudança. O que confunde radicais, neoradicais melancólicos e moralistas espantados é o quanto o "povo de Lula" avultou sobre o PT, e superou também na sua insensibilidade aos mensalões, o repente de rejeição com que contava o Brasil do ancient regime.

Esse estuário, inesperado para a reação, do eleitorado de Dilma, vai reclamar aríetes novos de mobilização e ruptura, que fogem a toda visão regressiva e diminuta de um horizonte nacional, deixado ao vai-e-volta de um eterno país das clientelas. A nação da mudança pode, sim, ficar órfa das suas inteligências, tentadas pelo excesso da racionalidade, de antes da força bruta dos novos eventos. E fundadores, entre nós, a responder ao juízo de Santiago Dantas de que, entre nós, o "povo como povo é melhor que as elites como elites".

Jornal do Commercio (RJ), 17/12/2010