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O Iluminismo judaico

 

Foi por pura curiosidade intelectual que nos dispusemos a escrever o livro “Haskalá – O Iluminismo judaico”. Primeira obra em língua portuguesa sobre esse importante movimento cultural, percorremos importantes bibliotecas internacionais para colher as preciosas informações. Primeiro a Rosenthaliana de Amsterdã, depois a do Jewish Theological Seminar, em Nova Iorque. Consultamos verdadeiros tesouros literários, a maioria em língua iídiche (dialeto usado principalmente pelos judeus da Alemanha), como comprova a declaração histórica de Isaac Bashevis Singer, Prêmio Nobel de Literatura de 1978: “A literatura iídiche foi toda construída sobre as ideias do Iluminismo. Quem quiser conhecer os últimos 600 anos da história judaica, terá de estudar essa língua, de tanta riqueza.”

O grande nome do Iluminismo, na Alemanha, foi Moisés Mendelssohn (avô do famoso compositor). Como se registra no livro que escrevemos sobre a Haskalá (Editora Altadena, Rio, 2010), com Mendelssohn (1729-86) foi possível anotar a existência de um Iluminismo judaico na Europa, com todas as características de investigação e de experiência, como forma de conhecimento; a crença nos direitos naturais; a crítica ao absolutismo e aos privilégios da nobreza e do clero, além da defesa da liberdade política e econômica e da igualdade de todos perante a lei.

Na época, os judeus viviam, na Alemanha, confinados num gueto, sendo-lhes negadas todas as condições de sustentabilidade digna. Falavam apenas o iídiche, por isso mesmo considerada uma língua marginal. A fim de atrair os judeus para perto da grande sociedade, Mendelssohn defendia que eles falassem o hebraico e o alemão, sendo por isso mesmo bastante combatido pelos ortodoxos. Segundo temor vigente, com isso, se ampliaria bastante o risco de assimilação (o que em parte acabou mesmo acontecendo) e de apostasia (abandono da fé).

A palavra Haskalá vem do hebraico sekhel (intelecto, razão) e seus seguidores privilegiavam a racionalidade. O movimento, que durou até a década de 1880, aspirava fundir as raízes da sabedoria hebraica com a cultura contemporânea. Daí o hebraico bíblico ser instrumento essencial para o pleno conhecimento da literatura rabínica e também o fortalecimento da credibilidade da Torá oral, onde se concentrava toda a doutrina judaica.

O Iluminismo ensejou a emancipação do judeu da segregação física do gueto e da sua posição como estranho em sua própria terra. Experimentou-se a exaltação intelectual que o Renascimento trouxera à Europa quatro séculos antes.

Os seus seguidores procuravam acompanhar os padrões da sociedade europeia em matéria de modos e moda, linguagem e lealdade ao poder dominante. A Haskalá acabaria influenciando a criação dos movimentos reformista e sionista, com origem na Galícia (Alemanha, Polônia e Europa Central), depois se espalhando pela Europa oriental, sempre privilegiando os estudos seculares e a razão como a medida de todas as coisas. Com isso, deram vez às línguas modernas e o aprendizado prático do trabalho, para ajudar os judeus a se integrar à sociedade. Sua primeira escola foi fundada em Berlim, em 1778 (chamada Freischule, escola livre), destinada a crianças pobres. Assim, o movimento se espalhou por outras cidades e países.

Jornal do Commercio (RJ), 26/11/2010