Portuguese English French German Italian Russian Spanish
Início > Artigos > O homem que clicou a foto

O homem que clicou a foto

 

Entrou para a história. No dia 8 de junho de 1972, em Trang Bang, no Vietnã, um fotógrafo captou a imagem de um grupo de crianças desesperadas fugindo de um ataque de napalm. O napalm era a gasolina gelatinosa que os EUA disparavam de avião e que prolongava o incêndio no alvo atingido e em quem estivesse por perto. Na foto, uma das crianças é uma menina de nove anos, Kim Phuc, nua por ter sido obrigada a tirar sua roupa em chamas. Nenhuma outra imagem foi tão representativa da crueldade da Guerra do Vietnã. O fotógrafo, Nick Ut, da Associated Press, ganhou por ela o Prêmio Pulitzer.

Mas eis que, de repente, alguém apitou: não foi Ut o fotógrafo. Um documentário lançado nos EUA, "The Stringer", de Bao Nguyen, afirma que o autor do clique foi outro fotógrafo, Nguyen Thanh Nghe, freelancer também a serviço da AP. "Nick estava comigo naquela missão", diz agora Nghe. "Mas quem bateu a chapa fui eu." A história é de que, naquele dia, quando a foto chegou à agência em Saigon, o chefe de fotografia Horst Faas teria instruído o redator Carl Robinson a carimbar um nome no verso: "Escreva Nick Ut." O autor da denúncia em que se baseou o filme, mais de 50 anos depois do fato, foi Carl Robinson.

Dois fotógrafos lado a lado num momento crucial: apertar um botão e registrar uma cena que tornaria seu autor famoso e premiado. Mas quem é o autor? Situação parecida está no filme "O Homem Que Matou o Facínora" (1962), de John Ford. O desajeitado James Stewart atira e o bandido Lee Marvin cai morto. Mas quem o matou foi o infalível John Wayne, que, de um beco ali perto, disparou ao mesmo tempo. O crédito é dado a Stewart, o qual, por ter "matado o facínora", vai para Washington, faz uma bela carreira política e quase chega a vice-presidente.

"Quando a lenda se torna realidade, publica-se a lenda", diz um jornalista da cidade. Stewart matou o facínora, e é isso aí.

A lenda atribuiu a foto da menina vietnamita a Nick Ut. Thang Nghe, autor ou não, não conseguirá desmenti-la.

Folha de São Paulo, 16/02/2025