Antigamente, não se atravessava uma rua, não se dobrava uma esquina sem esbarrar com um escoteiro ou com vários. Em geral, eram jovens mais ou menos militarizados, tinham um lema "Sempre alerta" e se comprometiam a fazer uma boa ação todos os dias.
Não sei por que, parece que desapareceram da paisagem urbana. Formavam uma espécie de elite, defensores dos bons modos e dos bons costumes. De vez em quando, promoviam uma cerimônia que parecia um concílio plenário, acampavam numa praia deserta ou num terreno desocupado: era o "Grande Fogo", quando se renovavam os compromissos, fazia-se um exame de consciência individual e coletivo, estabelecia-se uma tática em que tomava-se providências. No fundo, era uma espécie de pajelança entre os índios, uma reunião clandestina da Ku Klux Klan.
Num desses grandes fogos, o chefe liberou a turma, que todos se espalhassem pela cidade e fizessem sua boa ação. Voltaram na hora determinada, com a consciência tranquila da boa ação cumprida.
Menos um. Chegou meia hora fora do combinado e o chefe quis saber a razão do atraso. Seria uma falta gravíssima. O regulamento de um Grande Fogo equivalia a um concílio plenário, a um conclave para eleger o novo papa.
O escoteiro, em posição de sentido, disse que demorou um pouco para fazer a sua boa ação. O chefe elogiou-o, citando-o com exemplo do bom escoteiro, mas quis saber a razão de tamanho atraso. O escoteiro explicou que fora ajudar uma velhinha muita trêmula que precisava atravessar uma rua de grande movimento, com trânsito nos dois sentidos e sem faixa para pedestre.
O problema consistiu na relutância da velhinha em atravessar a rua, ela queria continuar na calçada e ameaçou chamar a polícia. O escoteiro não aceitou a reação da velhinha, atravessou-a à força.