A reforma política que interessa ao País transcende o universo de normas jurídicas, disposições legais e atos normativos que regulam os pleitos do segundo maior colégio eleitoral do mundo ocidental. Ela deve ser bem mais abrangente. Refiro-me, em especial, às instituições políticas, ao relacionamento entre os poderes do Estado, à organização federativa e, sobretudo, às práticas que constituem a nossa cultura política – velha de 500 anos – desde que aqui aportaram as estruturas do poder colonial, sob o qual vivemos por mais de três desses cinco séculos.
Quando me refiro às práticas, cito como exemplo o efetivo funcionamento do Poder Legislativo, no qual, de alguns anos até esta data, o formalismo dos atos se sobrepôs à relevância dos fatos. A reunião conjunta das duas Casas do Congresso se cinge, além da aprovação anual do Orçamento Geral da União, à instalação anual das sessões legislativas, a eventuais e episódicas sessões de homenagens, e à destinada a receber o compromisso do presidente e do vice-presidente da República a cada quadriênio, por ocasião de suas respectivas posses.
Na atual Legislatura, à semelhança do que ocorreu na anterior, mais de 500 vetos encontram-se pendentes de decisão do Congresso, fato que se repete há anos, deixando o processo legislativo inconcluso, a despeito do mandamento imperativo do art. 66, parágrafo 4º: “O veto será apreciado em sessão conjunta, dentro de trinta dias a contar do seu recebimento, só podendo ser rejeitado pelo voto da maioria absoluta de deputados e senadores, por escrutínio secreto.” Vivemos, em conseqüência, uma espécie de limbo legislativo em que há relevantes dispositivos legais que não vigoram e sua vigência está pendente de decisão conjunta das duas Casas do Congresso.
O relacionamento entre o Poder Executivo e o Legislativo é outra das questões institucionais pendentes em nossa organização institucional. Enquanto o primeiro debita ao Congresso, sistematicamente, lentidão no complexo sistema de tomada de decisões, que implica na apreciação das leis de diferentes níveis hierárquicos, este reclama do Executivo o uso imoderado e abusivo do instituto das medidas provisórias, instrumento desconhecido em nossa história constitucional, até a promulgação do texto em vigor, trasladado literalmente da constituição parlamentarista da Itália de 1946. É, em última análise, um mecanismo que provoca desequilíbrio no sistema de freios e contrapesos, essencial ao princípio da divisão dos poderes, existente há mais de dois séculos e que as Emendas Constitucionais nº 8/1995 e nº 32/2002 não foram capazes de solver.
O que ocorre nas relações Executivo-Legislativo verifica-se com igual ou maior intensidade entre o Executivo e o Judiciário. Em razão da insistência do Executivo na prática de atos já decididos pacífica e tranqüilamente em seu desfavor por todas as instâncias da Justiça, tumultua-se a rotina do Supremo e dos tribunais superiores. Da mesma forma, mas em direção oposta, a sucessão de recursos judiciais, cautelares uns, protelatórios outros, que perturbam a Administração, quando não a imobilizam.
Entre o Legislativo e o Judiciário, há também um contencioso de razoável dimensão. No caso da Justiça Eleitoral, por decidir ultimamente sobre matérias que são substantivamente de natureza legal, como a questão das coligações para fins eleitorais. E da parte do Judiciário, pela lentidão com que o Legislativo atua na atualização da legislação processual, cujos ônus terminam debitados aos tribunais, por falta de operosidade do Congresso em matéria de sua competência.
São questões, portanto, mal resolvidas na Constituição, em face do desmedido crescimento do poder, das estruturas do Estado e do espírito corporativo que preponderou nas constituintes que, historicamente, jamais se preocuparam em definir, preliminarmente, o que é de natureza constitucional e o que deve ser deixado à competência da legislação ordinária.
Jornal do Commercio (PE) 25/12/2008