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O fundo falso da educação

 

É louvável: o ministro da Educação quer ampliar as vagas no ensino profissional. Mas por que deseja evitar o sol com o chapéu alheio?


QUANDO contrabandistas de maior ou menor competência desejam driblar a alfândega -e nem sempre conseguem-, costumam utilizar malas de fundo falso, onde escondem o que o vulgo chama de "muamba". A comparação pode ser descabida, mas estamos diante da criação de um fundo que também é falso. Por quê?


O chamado Funtep (Fundo Nacional de Incentivo à Educação Profissional), que está sendo gerado por inseminação artificial nos laboratórios do governo, tem um pecado de origem: ele não contará com recursos oficiais, mas se valeria, se a idéia vingar, dos meios financeiros do Sistema S. Algo em torno de 8 bilhões de reais por ano.


O fundo é falso porque ele peca na base. Será uma apropriação indébita, o que nos parece inconstitucional, de um dinheiro que sai da contribuição de empresários, gravados por 2,5% das folhas de pagamento, com o objetivo de financiar as atividades sociais, culturais e educacionais de entidades de reconhecida credibilidade, como é o caso do Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial), do Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial), do Sesi (Serviço Social da Indústria) e do Sesc (Serviço Social do Comércio).


São milhões de jovens assistidos, em geral gratuitamente, pelos cursos oferecidos no Brasil inteiro, sobretudo em matéria de profissionalização em nível intermediário.


Isso não é de hoje. Quando Getúlio Vargas, nos últimos anos da ditadura, percebeu que deveria industrializar o país, esbarrou num problema clássico: a falta de mão-de-obra especializada. Assim nasceu o Senai, nos idos de 1942, logo seguido pelo Senac.


Portanto, são instituições veteranas, com assinalados serviços prestados ao crescimento social e econômico brasileiro. Agora perpetra-se o que o presidente Lula chama, por outros motivos, de "sacanagem". Aliás, ele tem repetido a palavra chula em diversos pronunciamentos, esquecido de que, com exceção de algumas cidades de São Paulo, o resto do país considera o termo "nome feio".


Vale a pena recorrer aos dicionários dos acadêmicos Antonio Houaiss e Aurélio Buarque de Holanda para entender melhor o substantivo feminino. O primeiro deles explica o verbete como "procedimento próprio de sacana ("devasso", "espertalhão", "trocista')" ou "troça", "gozação". No mestre Aurélio, igualmente de saudosa memória, pode ser "devassidão", "bandalheira" ou "libertinagem", fora outras coisas piores.


Deixemos de lado a expressão do presidente da República, na sua última visita a São Bernardo do Campo (SP), quando condenou, sob aplausos, a "sacanagem das notas fiscais".


Voltemos ao que pretende o ministro Fernando Haddad (Educação), quando insiste na criação do malsinado Funtep. Pretende, o que é louvável, ampliar o número de vagas no ensino profissional para 300 mil. O que não se entende é por que ele deseja evitar o sol com o chapéu alheio.


Apesar da perda da CPMF, houve um grande aumento de arrecadação de tributos federais, resultado natural do absurdo que é manter a carga em 38% (das mais elevadas do mundo).


Como se isso não bastasse, existe o FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), que sofre críticas ferozes pelos desvios em suas aplicações. Por que não consertar isso e concentrar uma parcela maior do fundo no treinamento de recursos humanos, naturalmente sem a interferência de ONGs suspeitas?


Se essas sugestões forem consideradas ainda insuficientes, pode-se lembrar o Fundo Nacional das Telecomunicações, cujo destino não é dos mais transparentes.


O governo, se tiver vontade política, pode perfeitamente dar prioridade a esse projeto de educação profissional valorizando os Cefets (centros altamente respeitáveis) e financiando sua expansão em quantidade e qualidade.


Uma última observação: hoje, cerca de 75% dos que se formam nas escolas técnicas federais ascendem ao nível superior. Não encontram o que fazer em nível intermediário. Isso também precisa ser corrigido, se houver essa verdadeira intenção.


Folha de S. Paulo (SP) 23/5/2008