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O dono da palavra

 

Mais do que o dono da palavra, era o dono do som, no qual via uma força emotiva que valia por si mesma. Com isto, ganhou a língua portuguesa, nele, uma amplitude que nenhum outro poeta brasileiro atingiu, principalmente a de unir à sua poética um elenco de palavras que vinham revelar a enorme diversidade atingida pelo idioma que foi de Camões.


E essas palavras surgiam de um vasto campo vocabular em que o som, juntamente com o entendimento da palavra continha uma certeza de que ali se achava um conjunto de sílabas eminentemente poéticas. Na França chamaram-no de parnasiano, classificação que também se usou no Brasil.


Adotando com precisão uma possível tese de fórmula perfeita, de étimos e expressões deliberadamente raras, seus exageros aumentaram o prestígio da corrente estética do momento, ao mesmo tempo em que outras tendências apareciam e davam cores muitas vezes cômicas ao parnasianismo tal como se apresentava naquela segunda metade do século XIX. No caso de Alberto de Oliveira, vejo-o muito mais como dos maiores poetas brasileiros em qualquer tempo.


Pertencente a uma família de dezessete irmãos e irmãs, em que todos faziam poesia, poucos poetas nossos tiveram uma participação tão viva na literatura de um tempo como Alberto de Oliveira, cujas palavras raras, confirmando sua adesão às normas parnasianas, levavam, e ainda levam, muitos leitores ao dicionário. Palavras como úsnea (líquem, penugem), lísins (veias de pedra), esconsa (inclinada, oblíqua), punícea (vermelho, cor de romã). Como neste verso, em que aparecem duas dessas palavras: "O gotear dos lísins de esconsa pedra".


É como se quisesse mostrar que o som de uma palavra insinua um pouco do que significa, numa onomatopóetica além do signo imediato. Mário de Andrade, modernista e revolucionário, em sua "Carta aberta a Alberto de Oliveira" pôde dizer: "Quando releio `Por amor de uma lágrima', certas páginas de `Livro de Ema', aquele sublime `Voz das árvores', o admirável `Sala de baile', bem sei que tenho um poeta junto de mim."


"A voz das árvores", que Mário de Andrade chama de "sublime", é este poema de amor a Margarida: "Acordo à noite assustado./ Ouço lá fora um lamento .../ Quem geme tão tarde? O vento?/ Não. É um canto prolongado/ - Hino imenso a envolver toda a montanha:/ São, em música estranha, /Jamais ouvida,/ As árvores, ao luar que nasce e as beija, / Em surdina cantando,/ Como um bando/ De vozes numa igreja:/ Margarida! Margarida!"


Curt-Meyer Clason, tradutor de Guimarães Rosa, em longas conversas com o autor destas linhas, declarando-se "Minha terra é a literatura brasileira", com sua versão da tese portuguesa bem conhecida, deu-me sua opinião sobre o parnasianismo no Brasil, eximindo Alberto de Oliveira de seus exageros e acrescentando:


"Veja como a poesia brasileira tem uma tendência para o parnasianismo. A revolução de João Cabral de Mello Neto não deixou de retornar o apreço ao raro como o de `Tecendo a manhã'", em que um galo precisa de outro para tecer a manhã, o que faz num tom entre severo e de canto-chão." Por exagerado que estivesse Meyer-Clason, não deixava de chamar a atenção para uma tendência da poesia brasileira de que Alberto de Oliveira se tornou mestre.


A atual antologia de Alberto de Oliveira tem a égide da Global Editora e Academia Brasileira de Letras. Capa de Victor Burton. Seleção de Sânzio de Azevedo, que recorreu às seguintes obras de Alberto de Oliveira para organizar esta antologia: "Canções românticas", de 1878, "Meridionais", de 1884, "Sonetos e poemas", de 1885, "Versos e rimas", de 1895 e às quatro séries de suas "Poesias", de 1900, 1906, 1913 e 1927. Direção da coleção Edla van Steen.


Tribuna da Imprensa (RJ) 22/1/2008