Foi em Portugal. Meu destino era Viena, Munique, Paris e Roma. Um amigo possuía um cheque em escudos (moeda portuguesa) e não pudera receber o equivalente em cruzeiros: a operação era proibida pelo nosso Banco Central.
A primeira escala foi em Lisboa e, por conta daqueles dólares suplementares, aluguei um carro que me levasse a Viena, Munique e Paris. Evidente, fui cobrar a dívida do meu amigo. Homem correto como só os portugueses sabem ser, pagou imediatamente os 300 mil escudos e muito se desculpou pela demora.
Perguntei se ele não conhecia alguém que me trocasse aqueles escudos todos em dólares. Ele não entendeu de pronto. Disse apenas que eu devia trocar os escudos no Banco Central de Portugal, em operação legal. Insisti, com todos os meus vícios brasileiros: não há por aqui um mercado paralelo?
O camarada engoliu em seco e, depois de me fuzilar com um olhar de reprovação, foi amável: "Faço-lhe a justiça de ser ignorante em assuntos portugueses. Aqui não temos mercado paralelo, vai contra nossa formação cívica e moral!".
Chorei minhas mágoas: "Vou passar umas semanas viajando, e esses escudos não me servirão para nada. Como os cruzeiros, não merecem cotação nas casas de câmbio".
Penalizado, sabia que era verdade. Trocar pela cotação oficial não me renderia nem mil dólares. Foi então que ele disse: "Vejo que o amigo se encontra na delicada situação de ter de recorrer ao nosso mercado anormal...".
"Anormal?", perguntei alarmado. "Sim, temos um mercado anormal de dólar para esses casos desesperados. Faça o favor de procurar o sr. Leitão & Alves, na rua do Castilho, ele trocará os escudos em câmbio favorecido pelo anormal..."
Agradeci e saí correndo. Mais do que os dólares, eu ganhei a dura experiência do quanto vale a semântica.