O resultado da consulta popular à aprovação de uma lei permitindo a reeleição de Evo Morales, na Bolívia, criou um confronto no aprofundamento institucional do país, entre a afirmação da sua identidade e o avanço da prática democrática no continente. Deve-se a Evo, neste último decênio, a irreversível afirmação de um Estado nacional, tanto o presidente é o primeiro mandatário índio no país, à espera, de quase um século, do que fosse sua cara e seu destino. Nessa maturação, teria avançado uma cultura cívica como fruto inevitável do seu próprio desenvolvimento.
Ganhou, a Bolívia, com Evo, uma inédita prosperidade durante os seus mandatos, com a redução da inflação e com o avanço da diversificação econômica, o crescimento da distribuição de renda e a correção dos desequilíbrios regionais. Essa presunção do apoio da coletividade, nascida de tantos êxitos, faria da consulta popular a medida óbvia para a sua permanência no poder, para além dos atuais limites constitucionais. A perda do "sim" na consulta, por menos de 2% de diferença, traduziu, ao mesmo tempo, o contraponto entre a massa de Evo, polarizada, e o voto contrário de um eleitorado disperso, mal reunido em torno de partidos de uma oposição sem conteúdos nítidos de confronto. Tanto as siglas quanto os líderes anti-Evo não ganharam a nitidez de um contraponto.
Os opositores de Morales expressam-se no voto de uma consciência crescente e difusa de cidadania, no que a Bolívia reflete os mesmos movimentos da Venezuela ou da Colômbia ou mesmo do Equador. Correia, em Quito, aliás, vive hoje num compasso de espera, fiando-se no possível e previsto sucesso de Morales. E é na aposta do longo prazo que o presidente boliviano joga, agora, aceitando o resultado e, inclusive, desde já, procurando o seu possível sucessor no seu partido, o MAS.
De toda forma, o que vê como seu erro é o de não ter mobilizado, a fundo, o seu presente eleitorado, dando o resultado do plebiscito como "jogos feitos" em seu favor. E adiantará, ainda, Evo, confiando nos resultados da sua performance econômica crescente, a certeza de que os antagonistas, frutos de uma estrita ação cidadã dispersa, não vão lograr nova mobilização contra o governo. O presidente ainda não jogou todos os seus trunfos, aceitando - como está fazendo agora - as regras do jogo democrático.