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O chão de Athayde

 

O chão de Austregésilo de Athayde foi o jornalismo. Belarmino Maria Austregésilo de Athayde realizou-se na literatura feita para jornal. Tendo sido a figura mais importante da Academia Brasileira de Letras ao longo de mais de três décadas, nesse período mudou a Casa de Machado de Assis, dando-lhe nova e mais sólida estrutura.


O que é hoje a Academia, sua presença arquitetônica no Centro do Rio de Janeiro, a extraordinária ampliação de seu espaço e o conseqüente poderio material de seu patrimônio - tudo isso se deve à capacidade de direção e de administração de Austregésilo de Athayde, de tal modo que a ABL é hoje um dos melhores centros de conferências e cursos do País, juntamente com uma atuação permanente em favor da cultura brasileira.


Nosso gênero literário por excelência, a crônica de jornal, de Machado de Assis até hoje, deu um toque especial à nossa literatura. Nela se destacou Austregésilo, que escreveu incessantemente para o "Jornal do Comércio", artigos e crônicas de assuntos vários. Todos os que fazemos ou fizemos jornalismo - no meu caso, assinei uma coluna diária, "Porta de Livraria", durante vinte e cinco anos - conhecemos a tensão que nos invade sempre quando temos de escrever artigo ou editorial em cima da hora.


Desde a I Guerra Mundial, a palavra de Austregésilo de Athayde analisou lucidamente o Brasil, com a palavra e a ação. Jornalista e escritor foi ele, imutavelmente, por mais de setenta anos, o jornalista brasileiro por excelência. Relendo o que escreveu e repensando o que fez, talvez seja melhor chamá-lo de o brasileiro por excelência.


Mencionei a palavra e a ação. É que nele as duas se juntavam. Não só a ação política, mas a de responsável por jornais e pela condução da mais importante instituição cultural de nossa gente, a Casa de Machado. Exilado por suas idéias, manteve Austregésilo de Athayde uma presença jornalística permanente, de tal maneira que o espaço do "Jornal do Comércio" que publicava seus artigos, guarda hoje ainda (e sai em livros) a visão aberta que tinha do nosso tempo e de nossos problemas.


O destino ou Deus (era ex-seminarista e Deus deve ter destacado um anjo especial para acompanhá-lo), um outro, ou os dois levaram-no com certeza à Comissão dos Direitos Humanos da ONU, onde deixou a assinatura brasileira mais importante do nosso tempo.


Estilo, tinha-o Austregésilo de Athayde direto e sem enfeites. Como um Stendhal do jornalismo. Não caía, contudo, no abandono total de adjetivos nem adotava a indiferença fria de quem tudo vê de cima. Pois nele preponderava o entusiasmo, no escrever e no pensar. Era entusiasmado no mostrar o que fazemos e por que o fazemos. Num de seus últimos artigos em vida, sobre o livro "Carta aos futuros analfabetos", do francês Paul Guth, repetia o que foi o tema de toda a sua vida - "Só a educação pode salvar uma comunidade."


Guardamos dele a lição que nos deixou, de uma incessante luta em favor do avanço brasileiro, na direção de uma sociedade justa e próspera. Torno a dizer aqui a palavra que a ele sempre associei: entusiasmo. "Entusiasmo" vem do grego "theo" (Deus). Ter entusiasmo é "ter Deus em si". Pois Austregésilo de Athayde foi um brasileiro com entusiasmo no entendimento grego da palavra.

A obra reúne 117 crônicas escritas ao longo de 60 anos divididos entre o jornalismo e a Presidência da Academia Brasileira de Letras, que Austregésilo de Athayde dirigiu por 35 anos desde 1959. Segundo Murilo Melo Filho, "Graças em grande parte a Athayde, a Academia Brasileira de Letras - hoje uma academia dinâmica e sólida, ao mesmo tempo tradicional e moderna, transformada numa instituição de respeito - foi e será sempre uma inexpugnável cidadela intelectual".


Athayde é considerado o grande consolidador da Casa de Machado de Assis. Entre suas realizações, está a construção do prédio de 29 andares do Centro Cultural do Brasil, anexo à ABL. Inaugurado em 20 de julho de 1979, cujo nome não poderia ser mais sugestivo: Palácio Austregésilo de Athayde.


Aspecto importante de "Melhores crônicas" é que, ao lê-las, tomamos conhecimento da própria história do Brasil nesse período.


"Melhores Crônicas - Austregésilo de Athayde" sai sob a égide da Academia Brasileira de Letras e da Editora Global. O livro tem seleção e prefácio do acadêmico Murilo Melo Filho e organização da escritora Edla Van Steen. Direção editorial de Jefferson L. Alves, gerência de Flavio Samuel e capa de Victon Burton.


Tribuna da Imprensa (RJ) 20/5/2008