A imigração japonesa no Brasil, cujo centenário estamos comemorando este ano, teve resultados positivos, muito além do que podiam ter imaginado aqueles que dela participaram em 1908. Alguns decênios antes a vinda maciça dos italianos, que tiveram o apoio direto de D. Pedro II, estimulara a indústria de São Paulo e influíra positivamente na economia dos Estados do Sul do país como também em Minas Gerais e no Estado do Rio de Janeiro (em minha cidade natal de Ubá, MG, desde antes dos anos 20 do século passado tinha casas de comércio com nomes italianos).
O centenário da imigração japonesa trouxe a visita oficial do herdeiro do trono nipônico provocando reuniões, conferências, exposições, de que a realizada no Museu Histórico Nacional deve ser mencionada como das melhores.
Agora, o "livro Sol e Terra" narra a saga de pioneiros da presença japonesa no Brasil, em Daisaku Ikeda e Ryoichi Kodama, em páginas que, muitas vezes sob a forma de diálogos, narram a história das relações entre os dois países (mais tarde Daisaku Ikeda seria eleito membro-correspondente da Academia Brasileira de Letras tendo nela sido recebido por Austregésilo de Athayde, seu Presidente).
O lançamento de bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki levou o Japão à derrota e a uma crise que só foi superada pela nova guerra que o país declarou em prol da educação para todos. As leis contra o analfabetismo (existente ainda em certas regiões) e a favor de estudos em todas as especialidades chegou a provocar, no fim dos anos 40 do século passado, suicídios de jovens que não passavam de ano e viam, com isto, diminuídas as possibilidades de bons empregos no futuro.
Foi quando, tendo eu escrito um poema chamado Nagasaki (a cujo lançamento no Rio compareceu grande parte de representantes japoneses, o que levou à tradução para o japonês desse poema). Visitei na época o Japão, tendo lá voltado outras para fazer conferências sobre literatura brasileira. Numa das primeiras, em Kyoto, quando comecei, em inglês, a dizer "I am very happy to be here", fui interrompido pelo professor que me disse, no melhor português: "O Senhor pode ficar feliz mesmo em português porque os quarenta alunos desta classe estudam português e sabem falar, ler e escrever no seu idioma." Pude, então discorrer com mais liberdade sobre Machado de Assis, que era o tema de minha palestra.
Na mesma época soube do acontecido a uma funcionária nissei que trabalhava comigo na Embaixada Brasileira em Londres e que, nunca tendo estado no Japão (nascera no Estado do Rio de Janeiro onde se formara em Letras), resolveu, durante suas férias visitar a cidade de Tóquio, onde, logo no princípio, passeando pela cidade, viu um cartaz que achou lindo, mas não conseguiu ler o que nele estava escrito. Falava o japonês perfeitamente, mas aprendera a ler em português em sua vida normal no Brasil. Resolveu perguntar a um jovem que passava o que estava escrito ali. Ele a olhou antes de perguntar: "A senhora não sabe ler?"
Ao ouvir o "não" como resposta, ele se afastou, atravessou uma rua e voltou com um soldado, que a prendeu. Uma pessoa adulta, que não soubesse ler, era detida para, numa prisão especial, começar a aprender. Só depois de aprovada, seria solta. Foi uma dificuldade ela explicar sua qualidade de brasileira, aprendera a falar japonês com os pais, mas na vida normal só escrevia em português. Mostrou o passaporte brasileiro e pediu para falar com a Embaixada de seu país. Foi preciso um diplomata brasileiro comparecer à prisão para libertá-la. O analfabetismo era motivo de prisão.
Por outro lado, o modo como o japonês se adaptou no Brasil acontecera com poucos estrangeiros. Costumo citar o encontro que tive num festival de candomblé realizado em São Paulo, para o qual Zora e eu fomos convidados. Havia mais de cem conjuntos que iam dançar no encontro. De repente vi um grupo de japoneses - homens, mulheres e adolescentes.
O diretor do evento me informou: "Não fique espantado. É uma Casa de Santo do interior que adotou o rito africano. Aquele mais alto é o Pai de Santo". Fui conversar com ele que me disse: "Sempre achei que a religião deve se basear na dança. Quando descobri no Brasil o candomblé, disse logo: "Esta é a minha religião. E meu pessoal dança muito bem".
SOL E TERRA: SINTONIA DO DESBRAVADOR/SAGA DE UM PIONEIRO DA IMIGRAÇÃO JAPONESA NO BRASIL, de Daisaku Ikeda e Ryoichi Kodama, é um lançamento da Editora Brasil Seikio, edição comemorativa do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil, capa de Kamila Sakurai.
Tribuna da Imprensa (RJ) 1/7/2008