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O amado rei do livro

 

Teremos um ano bastante rico em matéria de cultura. Haverá, em 2012, a comemoração de dois significativos centenários: o do Barão do Rio Branco e o de Jorge Amado, ambos pertencentes à galeria de imortais da Academia Brasileira de Letras. O escritor baiano, pela grande aceitação popular de seus livros, ultrapassou as fronteiras da literatura, tornando-se um dos autores brasileiros que mais tiveram a obra vertida para a televisão e o cinema.

É difícil compreender o estilo de Jorge Amado por meio de interpretações sociológicas ou teorias afins: corre-se o risco de não se ter a exata definição da arte do escritor baiano. Também não terá sucesso quem fizer um paralelo entre seus livros e os fatos históricos ocorridos nos períodos em que foram escritos. Esses estudos críticos não levam em conta a liberdade de criação. Jorge Amado criou um estilo jorgeamadiano, totalmente pessoal, indo muito além de fundamentações teóricas, legando-nos obras inesquecíveis.

Cabe aqui um parêntese para falar do crítico Antônio Cândido, cujo livro Formação da literatura brasileira é considerado fonte de referência das mais confiáveis. Apesar de usar os acontecimentos históricos e sociais localizados nos períodos em que as obras foram escritas como critérios críticos para emitir suas opiniões, sobre Jorge Amado ele procurou realçar a força poética dos romances analisados.

O que vemos a seguir é uma declaração de amor de Antonio Candido, entusiasmado pela simplicidade do estilo do autor de Jubiabá: “Na nossa literatura moderna, Jorge Amado é o maior romancista do amor, força de carne e de sangue que arrasta os seus personagens para um extraordinário clima lírico. Amor dos ricos e dos pobres; amor dos pretos, dos operários, que antes não tinha estado de literatura senão edulcorado pelo bucolismo ou bestializado pelos naturalistas”.

Como se vê, trata-se de uma obra que consegue conquistar leitores e críticos com a mesma intensidade. Para Alfredo Bosi, a criação de Jorge Amado teve uma caminhada multifacetada no decorrer dos anos: iniciou com tintas de “romance proletário”, passou por depoimentos líricos, seguiu a cartilha da pregação partidária, se especializou na valorização da região cacaueira e, por fim, se estabilizou na produção de crônicas de costumes provincianos.

A obra do escritor baiano, adaptada para a televisão, obteve imenso sucesso de audiência. E um fato adicional engrandece ainda mais essa façanha: depois da exibição de cada uma das novelas, as edições dos livros se sucederam, revelando sinergia muito forte entre as duas mídias. Graças à transposição de seus livros para a televisão, foi revisto o mito, sustentado na época por alguns intelectuais, de que a televisão estragava o gosto pela leitura ou impedia a sua propagação.

Comprovei esse fato em 1995 quando, a pedido do então presidente da ABL, Austregésilo de Athayde, falei pela primeira vez na Casa de Machado sobre a existência de uma nascente literatura eletrônica, fato que hoje se tornou realidade, com a multiplicação de e-books, tablets, Kindles e outros recursos digitais.

Nas muitas viagens que fiz ao longo da vida, visitei bibliotecas de várias universidades, onde sempre encontrei versões dos seus romances. Não necessariamente dos 37 livros, mas a maioria deles, nas línguas locais. Foi assim em Seul, em Berkley, em Estocolmo, em Tóquio e em Telavive.

Ao lado de Pelé, Amado foi o brasileiro que mais trabalhou pela imagem do país no exterior. Se um é o rei do futebol, o outro pode ser considerado o rei do livro ou da palavra escrita. Um incomparável contador de histórias.

Correio Braziliense, 8/1/2012