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No esplendor do Municipal está faltando um

 

Não sou saudosista, mas respeito o passado. Quando se trata de pessoas físicas, entra em cena o que chamamos de espírito de justiça. Aí a coisa ferve.


Foi com um prazer indizível que participamos, como espectadores, da esplendorosa festa de reinauguração do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, com direito à presença e discurso do presidente Lula, como sempre aclamado. Foram 850 dias de obras, com uma verba patrocinada de 75 milhões de reais e muitas dores de cabeça para a amiga Carla Camurati, que se revelou também excelente administradora.


Valeu a pena. A maior casa de espetáculos do país, inaugurada em 1909, depois de vitoriosa campanha do acadêmico Arthur Azevedo (morreu antes de ver a obra completa), está um brinco. Seus destaques dourados refletem no contato com a iluminação recuperada – e o mesmo pode ser ressaltado das inúmeras obras de arte, que, nas mãos de 350 competentes restauradores, voltaram ao viço dos primeiros tempos.


Banheiros foram ampliados, as poltronas voltaram à cor original (rosa goiaba) e os camarins deram conforto à alma do TM, que são os seus três maravilhosos corpos estáveis (orquestra, coro e balé). O show de reinauguração foi completo. Brilhou a orquestra, brilhou (mais uma vez) a querida Ana Botafogo, brilhou o Coro (considerado o terceiro mais importante do mundo) e brilharam os cantores que deram vida aos principais trechos da ópera Il Trovatore. A reação do público, pedindo bis ao Maestro Roberto Minczuk, diz tudo.


Onde a injustiça daquela noite histórica? No total esquecimento da figura do empresário Adolpho Bloch, que dedicou alguns anos da sua vida à Funterj, origem da Funarj, responsável de início por todos os teatros e museus públicos. Foi amigo do Lula (na baixa), abrigou o Sérgio Cabral nas suas revistas, e era de se esperar uma pequena palavra de agradecimento (não custaria nada) a quem também reformou o Municipal, nos idos de 1978, com a ajuda de seus colaboradores mais próximos, como Geraldo Matheus Torloni e Carlos Heitor Cony.


A política cega os homens? Adolpho mandou vir da Itália, de começo do seu próprio bolso, todo o cobre que revestia a cúpula, deteriorada por tiros dados aos sábados, por gentis frequentadores do Bola Preta. Deu ao palco mobilidade mecânica até então desconhecida, reformou os banheiros e o clássico foyer, trouxe da Bélgica a nova mesa de iluminação, para depois se concentrar no que talvez tenha sido a sua maior obra: a Central Técnica de Inhaúma. Com isso viabilizou uma programação artística muito mais intensa, a partir da clássica Traviata, montada por Zefirelli (um luxo!), em março de 1979. E depois, a montagem de 23 óperas e incríveis balés, a partir de Copélia.


Na saída do espetáculo, um antigo integrante do Coro veio em minha direção e reclamou deste e de outros esquecimentos, nos discursos oficiais. “Como a memória é curta, não é, professor?” Preferi não responder. Os velhos frequentadores do Teatro Municipal, nas suas lembranças e relembranças, saberão fazer justiça aos que lutaram, como Adolpho Bloch, para que o Teatro Municipal sobrevivesse às mazelas do tempo.

Vale ainda recordar que Adolpho foi quem, partindo do zero, em 10 meses, deu ao Rio de Janeiro o tão apreciado Teatro Villa-Lobos, inspirado no projeto do arquiteto Rafael Peres. Tudo isso era para ser esquecido?


Jornal do Commercio, 3/6/2010