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Não adianta se queixar

 

Em pouco mais de um mês, o Rio passou do paraíso dos Jogos Olímpicos ao jogo sujo da política, com a denúncia de que as milícias estão cobrando até R$ 120 mil para permitir propaganda eleitoral nas áreas dominadas por elas, conforme revelaram os repórteres Marcelo Remigio e Vera Araújo. O resultado é que 16 pessoas envolvidas direta ou indiretamente com a promiscuidade do crime organizado foram assassinadas no Grande Rio desde novembro do ano passado. Isso, sem falar no velho problema do tráfico, que continua agindo e não mais apenas na periferia. Em um e-mail para a coluna, o pai de uma menina de 13 anos conta que, ao levá-la para a aula de balé, no Catete, encontrou a academia fechada, como o comércio de todo o bairro, em represália pela morte de um traficante. Ele pergunta: “Aonde vamos parar: o estado na bancarrota, as UPPs falidas, a criminalidade crescendo; do outro lado um píer e uma Praça Mauá, lindos revitalizados, o Parque de Madureira e agora o Parque de Deodoro?”.

A preocupação com o aumento da violência, que vem atormentando a vida dos cariocas, só esteve presente no debate na TV Globo com os oito candidatos à prefeitura por meio de propostas de uma ação mais efetiva da Guarda Municipal, mas não à altura desse que talvez seja o nosso mais dramático e inquietante problema urbano. Mesmo o mais bem colocado nas pesquisas, perguntado sobre o tema, não tinha um plano, sequer respostas. Pode-se alegar que isso é atribuição do estado, mas numa situação limite como a atual, ninguém, muito menos o prefeito, pode dizer: “Não tenho nada a ver com isso”. Houve, porém, até quem levasse para aquela noite assuntos que, esses sim, nada tinham a ver com o destino do município, como o impeachment da ex-presidente Dilma e o discurso do “golpe”. 

Uma curiosidade foi a disputa entre os seis que estão tecnicamente empatados no segundo lugar pela ida à reta final, como se Crivella já tivesse vencido o primeiro turno, enquanto ele próprio parecia estar escolhendo o futuro adversário, mal disfarçando sua preferência (por quem acha mais fácil derrotar) e rejeição (por quem seria mais difícil por dispor de máquina). E para não fugir ao clima de beligerância geral, travou-se uma agressiva troca de acusações entre os mais cotados pretendentes ao voto útil. 

A expectativa de praticamente todos os participantes era que o último debate seria decisivo para o resultado da eleição de amanhã. Como não vi pesquisa posterior, se é que foi feita, estou sem saber em que medida as decisões foram mudadas ou confirmadas. Mas é possível que permaneça a tendência dos últimos levantamentos. Se for assim, não vai ter depois como se queixar ao bispo.

O Globo, 01/10/2016