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Mindlin na Academia

 

Viveu a Academia Brasileira de Letras, na semana passada, uma de suas grandes noites que, nos seus 109 anos de existência, pode ser considerada como tendo sido realmente emblemática. O sentido exato desse adjetivo pode ser assim definido: "Emblemático é tudo o que representa simbolicamente a essência de alguma coisa".


 


Assim diríamos que "Einstein é o gênio emblemático da Física". Ou que José Mindlin é, entre nós, o nome emblemático do Livro e da Biblioteca. Ao assumir a cadeira número 29 da Casa de Machado de Assis, sucedendo a Josué Montello, estava Mindlin passando a ocupar, com justiça, um lugar adequado na cultura do País.


 


Como os dois discursos - o do novo acadêmico e o de quem o recebeu, Alberto da Costa e Silva - já estavam impressos e foram distribuídos no final da cerimônia, é-nos possível comentá-los menos de uma semana depois da sessão de posse. O de Mindlin é uma exaltação do Livro e da Biblioteca, ambos com iniciais maiúsculas, numa história de atividades culturais que vêm sendo as suas há 80 anos.


 


Ao longo desse tempo ergueu uma Biblioteca de maneira idêntica à de quem elabora uma obra de arte. Seu lema, nesse labor de oito décadas, foi o que está no seu ex-libris que se baseia numa frase de Montaigne: "Je ne fais rien sans gayeté". Esse propósito de fazer tudo com alegria levou-o a viagens por uma boa parte do mundo em busca de livros para a sua Biblioteca, primeiro seguindo os setores que estavam de acordo com suas leituras, mas depois sentindo que precisava dar uma ordem às escolhas.


 


Daí o ter resolvido especializar-se em livros sobre o Brasil, como está no seu discurso: "Isto me levou a estabelecer certas vertentes que são basicamente as seguintes: livros sobre o Brasil, dos mais vastos assuntos, para formar um acervo de estudos brasileiros. Esta vertente, que inclui Literatura, História, Viagens, História Natural, Arte, etc., é quase por si uma biblioteca.


 


As outras vertentes são a literatura universal, as obras sobre referência e história do livro, com exemplares impressos no período que foi desde o século XV até os nossos dias, pois tenho especial interesse pela arte gráfica, não sabendo se fui gráfico numa encarnação anterior ou se virei a ser uma encarnação futura."


 


Diante da grandiosidade que a Biblioteca de estudos brasileiros atingiu, José Mindlin chegou à conclusão de que ela deveria tornar-se um bem público. Doou-a então, como explica: "Decidimos, Guida e eu, e nossos quatro filhos, doar nossa Brasiliana à Universidade de São Paulo, que está construindo um prédio para recebê-la e formou uma unidade universitária denominada Biblioteca Brasiliana Guida e José Mindlin".


 


Diante da vida e da obra do novo ocupante da cadeira nº 29 da Casa de Machado de Assis e do exemplo de sua dedicação ao livro, lembremo-nos de que este é um de nossos piores problemas. Se temos uma política do livro, falta-nos uma atuação objetiva no sentido de levá-la a todos os pontos do país.


 


Não conseguimos ainda obedecer a uma lei brasileira que determina que haja uma biblioteca pública em toda sede municipal, ao ponto de termos perto de 2 mil cidades sem bibliotecas públicas entre os mais de 6 mil municípios brasileiros. A campanha "Paixão de ler", realizada pela Prefeitura do Rio, escolhe e publica frases sobre o assunto.


 


Uma delas foi divulgada agora. É do escritor inglês Thomas Carlyle; "Tudo o que a humanidade fez, pensou, ganhou ou foi, está magicamente preservado nas páginas dos livros". Outra, dita por José Mindlin em seu discurso na Academia, é mais direta e simples: "Quem não lê, não sabe o que está perdendo".


 


Em seu ótimo discurso de saudação ao novo acadêmico, Alberto da Costa e Silva diz que José Mindlin não é apenas o criador de bibliotecas, mas também escritor. E cita seus livros, que também explicam toda uma atividade: "Uma vida entre livros", "José conta suas histórias", "Memórias esparsas de uma biblioteca" e os belos textos de "Destaques da Biblioteca InDisciplinada de Guida e José Mindlin".


 


O volume lançado pela Academia Brasileira de Letras, com os dois discursos, o de posse e o de saudação, constitui leitura obrigatória para todos os que acreditamos na preeminência do livro na luta por um Brasil melhor.


 


Tribuna da Imprensa (Rio de Janeiro) 17/10/2006

Tribuna da Imprensa (Rio de Janeiro), 17/10/2006