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Mário Soares, o pedagogo da democracia

 

Devemos, como a ninguém, a Mário Soares a modernização democrática de Portugal. Rechaçou & fossilização salazarista, numa liderança indiscutível de um mestre do consenso. Preso, e mesmo torturado, durante o autoritarismo, na ilha de São Tomé, veio, liberado, a Paris para organizar, sem descanso, uma militância. Nas horas do 25 de Abril, largou-se da França no comboio de resistentes, a reforçar-se a cada parada do trem. Nessa confluência, fortalecida com a presença de Álvaro Cunhal no comando do Partido Comunista, um espírito de coalizão ganhava uma inédita disciplina saída da clandestinidade. 

Nesse quadro, Mário Soares vai, por duas vezes, a primeiro-ministro, a que se seguiu o seu acesso, também por duas vezes, à Presidência da República. Mário, na sua forte visão organizatória, delineou uma estrutura partidária nascente em que, no fermentar de novas bases políticas, só reconheceria a democracia cristã e o socialismo democrático, que dissociava de toda dominância marxista. Na riqueza da obra, o líder poderia dar toda amplitude à sua formação em Ciências Históricas-Filosóficas, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, e, em seguida, em Direito, na faculdade do mesmo campus. 

Exerceu a vice-presidência da Academia da Latinidade, pensada, no auge dos contrapontos da Guerra Fria, como suscetível de constituir o "outro Ocidente". Mário Soares emprestou-nos toda a força da sua presença, já na quase trintena de nossos encontros e nas sucessivas idas à África e à Ásia, para evitar toda radicalização no entendimento da especificidade do diálogo que brotava dos Brics e das dialéticas emergentes da globalização. Sua conduta foi um bastião para, nestas décadas, evitar as polarizações, que continuaram após a Guerra Fria, e garantir a identidade nacional na pós-modernidade. Em nosso contexto cultural, vamos lhe dever, como a ninguém, a pedagogia do consenso, nascida da paciência com a diferença e da grandeza diante do confronto.

O Imparcial (MA), 15/01/2017