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Machado, doutor honoris causa

 

É justíssima a homenagem que a Uni-Rio prestou, por intermédio da reitora Malvina Tuttman, à figura emblemática de Machado de Assis. Ele mereceu, por sua obra, o título de Doutor Honoris Causa desta importante universidade federal, que foi outorgado ao autor de Dom Casmurro em sessão solene.


Na ocasião, pudemos afirmar que o que faz o sucesso eterno e imortal de Machado de Assis é a característica de universalidade dos seus personagens.


Numa conferência sobre o maior escritor brasileiro de todos os tempos, surpreendime com a comparação entre Cervantes e Machado, feita por Carlos Fuentes, na Academia Brasileira de Letras. Ele é um dos maiores escritores mexicanos da atualidade.


Além de encontrar semelhanças entre dois escritores separados por séculos de vida, o autor mexicano afirmou, na Academia: “Sem Machado, não teria existido uma literatura latino-americana digna de apreço”.


Lembro-me, então, do Con to de escola, em que a motivação do narrador para comparecer às aulas era a sova de vara de marmeleiro que havia levado do pai. Um santo remédio.


Nessa escola, que era um sobrado numa rua pobre no centro da cidade do Rio de Janeiro – a Rua do Costa – o mestre interessado mais em ler os jornais que ensinar a lição, comparecia em chinelas de cordovão.


No entanto, este conto, mais que da educação sistemática, fala daquela que a vida nos dá, pois o garoto pobre, que é o narrador, acaba por dizer que foram dois colegas, o Raimundo e o Curvelo, que lhe deram o primeiro conhecimento, um da corrupção, outro da delação. Ele sempre valoriza essas amizades.


Mesmo em Dom Casmurro, a amizade do Bentinho pelo Escobar era em princípio muito bonita. Machado gostava de valorizar a cumplicidade dos amigos.


Foi um valente defensor da educação da mulher, na sua época bastante desconsiderada, socialmente. Segundo ele, “por não ir à escola, nem por isso era menos inteligente”.


A cultura de Machado de Assis veio do seu autodidatismo, pois ele só fez os estudos primários. É verdade que era pobre e precisou trabalhar como tipógrafo. Machado aprendeu francês com a dona da padaria, onde trabalhava como entregador. Era a única outra língua que ele conhecia, porque Machado, jamais, em toda a sua vida, saiu do Rio de Janeiro, a não ser uma breve visita a Barbacena, por motivos não muito claros.


Lembro-me, também, do conto Ex-cátedra, onde um homem, amante dos livros, que vive sozinho com a afilhada, resolve, ao receber um sobrinho órfão, casar os dois jovens.


Para isso, recorre a uma pedagogia muito especial.


Primeiro, lições de astronomia, depois, de filosofia. Tratavase de provar a existência do homem, só que a lição foi na chácara, e a natureza falou mais alto que a lição, porque aquilo que Fulgêncio – era este o nome do homem dos livros – imaginara para seis meses, começou a florir rapidamente, quando os dois jovens viram casais de borboletas e andorinhas.


Em função do convívio, da idade e do isolamento, a chácara era longe de tudo, os jovens começaram a amar-se, antecipando muito o que Fulgêncio planejara.


Jornal do Brasil, 22/7/2010