É uma dúvida que se discute nos meios intelectuais. Será possível existir literatura quando o tema é futebol, o nosso esporte mais popular? O assunto foi debatido na Academia Brasileira de Letras, no seminário “Brasil, Brasis”, com a participação inclusive do técnico Dunga (muito aplaudido).
A resposta, a nosso ver, é amplamente favorável. Veja-se o caso do escritor Mário Filho, criador do “Jornal dos Sports” e com quem tive o prazer de colaborar, na revista “Manchete Esportiva”. É de sua autoria um clássico da nossa literatura: “O negro no futebol brasileiro”, um estudo denso e originalíssimo.
Lembramos Carlos Drummond de Andrade, no seu “Quando é dia de futebol”, editado pela Record. Homenageia Garrincha, com as pernas tortas, e termina uma crônica com a única recomendação plausível: “Vai brincar, pois para isso nasceste.”
Armando Nogueira, reconhecidamente, foi responsável por uma tríade aparentemente impossível de existir: o enlace futebol-literatura-televisão. Suas intervenções no “Jornal Nacional” foram antológicas, em momentos especiais, como nas nossas grandes conquistas da Copa do Mundo ou nos 1.000 gols de Pelé. O seu livro “Na grande área”, um dos 12 que escreveu, é um clássico.
Nelson Rodrigues, tricolor doente, é um caso à parte. Suas crônicas em jornais e revistas foram sempre lapidares, coerentes com as qualidades de dramaturgo do autor pernambucano. Reparem nessas frases: “Quem paga e quem perde as partidas é a alma”, “a arbitragem normal e honesta confere às partidas um tédio profundo, uma mediocridade irremediável.” No Maracanã, onde ia sempre, berrava contra os erros dos jogadores e os coitados dos árbitros e bandeirinhas. Não tinha contemplação. O que ele fazia, por escrito, sem dúvida, era sempre literatura.
Na ABL, tivemos também Sérgio Correa da Costa, Genolino Amado (o homem das crônicas da cidade), Marques Rebello e João Cabral de Melo Neto, fanáticos torcedores do América F.C. Isso não impediu Cabral de construir uma ode ao craque Ademir da Guia, enaltecendo suas virtudes. Podemos citar ainda José Lins do Rego. No livro “Flamengo é puro amor” (Editora José Olympio), ele confessa, numa de suas crônicas (página 98): “Caro Pedro Nunes, não seja amigo da onça, com essa história de fardão, de Academia, de solenidade. Como poderei torcer pelo Flamengo amarrado nos dourados arreios de luxo?” Pensava assim, mas acabou se convencendo a entrar para a Academia, e gostou muito, sem deixar de ser rubro-negro.
O poeta Paulo Mendes Campos, no seu “O gol é necessário”, Editora Civilização Brasileira, deu asas ao amor declarado pelo futebol, desde a meninice em Minas Gerais. Lá pelas tantas, com as suas pílulas deliciosas, sempre publicadas na revista Manchete, com o título “Frases apanhadas no chão”, homenageou a chamada enciclopédia botafoguense: “Nilton Santos confia na bola; a bola confia em Nilton Santos; Nilton Santos ama a bola; a bola ama Nilton Santos. Também nesse clima de devoção mútua não pode haver problema.”
São muitos os escritores que se dedicaram ao futebol, utilizando-o como tema. Desde Graciliano Ramos até Rubem Fonseca. Isso faz parte da literatura brasileira e agora pode e deve ser lembrado, em pleno período da Copa do Mundo, com o país mobilizado para o que esperamos seja a campanha do hexa.
O Estado do Maranhão, 10/7/2010