Um leitor nos pergunta se é válida a explicação da origem da nossa palavra 'forró' pelo inglês 'for all' para designar um tipo de baile popular. Essa etimologia deve ser rejeitada, graças ao estudo da história do nosso vocabulário.
A fonte primitiva seria o termo técnico de música francês faux-bourdon', cuja integração no léxico galego-português se teria operado sob duas formas: uma, fabordão' com dissimilação da primeira vogal, e já literalizada na época de Sá de Miranda, o mais tardar; outra, fobordó', que formou forbodó', de gosto popular, e daí tardiamente lexicografada sob a forma "degenerada" 'forrobodó'.
No que toca ao final '-ó' ou 'forbodó' ou 'forrobodó', lembra Piel que os galicismos entrados no português com este final correspondem a palavras francesas com a desinência '-eau' ('bandeau/ bando') ou ainda à terminação '-on' ('chignon/chinó'), que vieram juntar-se ao filão de vocábulos castiços portugueses em '-ó' como 'enxó', 'filho', 'ilhó', cuja vogal final aberta corresponde ao sufixo diminutivo latino '-íola', com acentuação vulgar paroxítona no '-o-'.
Não foi só forbodó' ou forrobodó' que sofreu gradação semântica da acepção primitiva. 'Fabordão' passou a indicar desentoação, desafinação, "com sensaborias monotônicas" conforme explica o nosso dicionarista Morais (1813), comentando um passo dos 'Estrangeiros' de Sá de Miranda(séc. XVI). Assim, o termo serve para referir-se a 'coisa enfadonha, sensaborona, em que se repisa sempre na mesma tecla, no mesmo bordão'. Foi atendendo a essa noção que João Ribeiro, com jocosa ironia, deu a um livro seu o título de'O Fabordão'.
Outra leitora nos pergunta se podemos explicar a presença da palavra Viúva' em expressões do tipo 'o cofre da Viúva', 'é a Viúva que pagará as despesas, demandadas ou feitas por outrem', em alusão ao erário público, à Nação. Ainda não esgotamos as pesquisas para uma explicação geral. Como a Bíblia tem sido uma das mais férteis fontes de frases feitas, comparações e alusões correntes tanto na tradição erudita, como na popular, sabe-se que são muitas e diversificadas as referências a viúvas; mas há uma referente à doação de dinheiro, que pode ser—quem sabe? — a metáfora de onde viria a explicação para a presença da viúva doadora de dinheiro.
É a passagem narrada por Marcos 12,41: "Jesus sentou-se defronte do cofre da esmola, e observava como o povo deitava dinheiro nele; muitos ricos depositavam grandes quantias. Chegando uma pobre viúva, lançou duas pequenas moedas no valor de apenas um quadrante [a menor moeda romana, de bem pouco valor]. E ele chamou os seus discípulos e disse-lhes: 'Em verdade vos digo, esta pobre viúva deitou mais do que todos os que lançaram no cofre; porque todos deitaram o que tinham em abundância; esta, porém, pôs, da sua indigência, tudo o que tinha para seu sustento.'"
Contra esta nossa hipótese, a Bíblia fala de uma viúva pobre, e a nossa é rica, a ponto de garantir a gastança geral. Mas, além da alusão ao "cofre" e ao dinheiro, fala-se da riqueza esbanjada dos poderosos. Sabemos também que muitas alusões bíblicas nos chegaram, através dos séculos, nem sempre fiéis ao original, alteradas pelo princípio de que quem conta um conto acrescenta um ponto. De modo que se esvaziou a alusão à pobreza da viúva para prevalecer, em seu lugar, a viúva rica, cuja doação ao cofre foi, aos olhos de Jesus, de maior valor. Por tudo isto, se não topar com explicação melhor, ficamos com esta "enquanto o Brás é tesoureiro".
O Dia (RJ), 3/7/2011