No Brasil , fazem-se tantas leis que não temos lei nenhuma. Forjou-se até uma expressão de que "há lei que pega e há lei que não pega". É impossível que haja algum jurista que saiba o que a lei em nosso país proíbe e não proíbe, faz e desfaz. Pior ainda, a lei, que é feita para regular as relações com a sociedade, não permite que ninguém saiba o que a lei obriga ou desobriga ou que regula ou não regula. O que existe é um grande caos. Basta ver que, nos nossos textos legislativos, os artigos mais importantes são aqueles que remetem a outros artigos de outras leis, que por sua vez falam de outros dispositivos de outras leis, as que são revogadas e as que permanecem em vigor.
Outra coisa que ajuda a tornar as leis brasileiras ambíguas, contraditórias e confusas é a péssima redação. Não falo de erros de português, e sim da clareza do texto. São longas e barrocas. Parece até que são feitas com o objetivo principal de serem obscuras.
As medidas provisórias contribuíram até a exaustão, pela pressa e circunstância em que são editadas, para a péssima qualidade de nossas leis. Por outro lado, criou-se a consciência nacional de que tudo pode ser resolvido através de uma lei, de que o Congresso é a bacia das almas onde todos os pecados são perdoados e todos os males são resolvidos.
O exemplo maior de toda essa parafernália é a própria Constituição. Em qualquer lugar do mundo civilizado em que o Estado de Direito foi implantado, a Constituição é feita com o objetivo maior de ser permanente, duradoura. Há até um conceito dos constituintes na aspiração de que as constituições permaneçam, sejam reguladoras e durem até "os filhos dos nossos filhos". Nossa Constituição é longa, detalhista, imprecisa, híbrida (parlamentarista e presidencialista) e foi feita sem nenhuma preocupação verdadeira de ser permanente. A Constituinte foi pressionada e populista, com os olhos voltados para o passado e sem a visão maior do futuro. O resultado é que já temos, hoje, mais de mil e quinhentas (1.500!) emendas procurando remendá-la - e cada remendo cria outro e há emendas para as emendas. O resultado de tudo isso é a avalanche de leis que todo dia se vota, leis algumas até ridículas. A lei maior e talvez a mais importante de todo Parlamento, o Orçamento, todo ano é uma luta imensa para votá-lo, e só termina com concessões e acordos, para afinal ser uma peça virtual - para usar a palavra da moda - e fictícia - para socorrer-me da palavra precisa. O senador Antonio Carlos Magalhães tem um projeto de orçamento impositivo que poderia ser uma solução, acoplada à reformulação da técnica de construção da lei de meios.
Veja-se, agora, o inusitado que estamos vivendo. Depois de tantos e tantos anos com a lei eleitoral funcionando bem, vem uma "interpretação" do TSE nas eleições de 2002 sobre verticalização, palavra nova em matéria eleitoral, e abre um caso que, em vez de simplificar, tumultuou as eleições. E, aos trancos e barrancos, toca o Congresso a votar concertos e lacunas, como esse para cercar o caixa dois, que antigamente era o PF -não Polícia Federal nem prato feito, mas "por fora". E a discussão é como colocar o "por fora" "por dentro".
Por falar em sigla, o PT, que era classificação de avião ou ponto final de telegrama (pt.saudações) - agora passou a ser de empresa. Li num jornal "ações da PT sofrem...". Fui ler pensando que o PT já era feminino, mas era outra coisa: a Portugal Telecom etc. e tal.
É. Está tudo embaralhado.
Folha de São Paulo (São Paulo) 10/2/2006