Estamos em plena semana da 14ª Paixão de Ler, promovida pela Prefeitura do Rio, quando mais de 1 milhão de jovens participam de sessões de leituras, assistem a esquetes sobre livros, vêem exposições de volumes de histórias, ouvem a palavra de autores conhecidos e com eles conversam.
Bibliotecas de toda a cidade participam do evento, não somente as abertas ao público, mas, também, as de Universidades. Só a UniverCidade, por exemplo, tem 22 bibliotecas instaladas em suas diversas unidades, o mesmo acontecendo com todos os centros universitários da cidade.
Das 29 bibliotecas populares do Rio, abertas das 9 às 17h, algumas, inclusive aos sábados e domingos, promovem festas ao redor do livro e da leitura. Centros e lonas culturais, escolas municipais, museus da cidade, instituições públicas e privadas e editoras participam do movimento. O Sesc-Rio, com atividades em todas as suas unidades, e o Consulado da França, através da Mediateca do Maison de France e da Aliança Francesa, são algumas das organizações que integram o movimento.
O lançamento da semana ocorreu ontem no Teatro Raymundo Magalhães Jr., da Academia Brasileira de Letras, com a presença de autoridades e de bibliotecários em atividade em vários pontos do Rio.
O patrono da Paixão de Ler deste ano é Jorge Amado, cujos livros foram expostos pela sua editora, a Record, em todas as bibliotecas municipais, com escritores e professores convidados falando sobre a obra e a figura do criador de Gabriela. Na abertura de ontem, na Academia, quem fez conferência sobre o patrono da Paixão de Ler deste ano foi o romancista Antonio Torres.
A própria terra natal é o grande personagem de Jorge Amado. Ao mesmo tempo, cada personagem de suas histórias vive e representa a Bahia em muitos de seus inúmeros aspectos. O que Jorge Amado trouxe para nós mesmos e levou para seus leitores em todo o mundo foi, na verdade, o sentimento da alegria de viver, natural ao brasileiro, apesar de todos os motivos - sociais, políticos e os que mais existam - que poderiam levá-lo a ser o povo mais infeliz da Terra.
Gabriela, Dona Flor, Tieta, juntamente com a vasta galeria de personagens que participa das histórias do romancista, mostram que ele entende sua gente como nenhum outro ficcionista entendeu entre nós. Para mostrar a posição de Jorge Amado na ficção de nosso tempo, lembro sempre a análise de três narrativas curtas que marcam a literatura ficcional entre os séculos XIX e XX: "A morte de Ivan Ilitch", de Leon Tolstoy, "O velho e o mar", de Ernest Hemingway, e "A morte e a morte de Quincas Berro d'água" , de Jorge Amado.
Outros exemplos de sua ficção curta são dignos de toda a atenção: neles se encontra a mesma força narrativa que é normal em sua obra, mas que, na força condensada e forte de seu modo pessoal de nos analisar a todos como partícipes de uma luta para preservar e fortalecer valores que vão acima de nós. Um dos volumes de histórias curtas de Jorge Amado que alcança o ponto mais alto da contística brasileira é o que tem o título de "Cinco histórias" e foi lançado pela Fundação Casa de Jorge Amado sob a égide editorial da Casa de Palavras. As cinco histórias são: "Do jogo de dados e dos rígidos princípios", "História do Carnaval", "As mortes e o triunfo de Rosalinda", "De como o mulato Porciúncula" descarregou seu defunto e "O episódio de Siroca".O modo como Jorge Amado conta cada caso, cada enredo minucioso de suas cinco histórias, mostra o nível de literatura de ficção atingido pelo Brasil no último século. Cada uma das cinco histórias do volume pode ser colocada, sem desdouro para elas, junto de Quincas Berro d'água, tal é a força vocabular arrancada por Jorge Amado do falar normal do baiano, dono de uma língua portuguesa de belos sons e palavras inventadas, concebidas no viver a vida normal de uma região do Brasil que aprendeu a criar seus diálogos e suas descrições de modo novo.
Foi a obra de Jorge Amado sempre ligada a ilustrações de artistas que entenderam seu vigoroso mundo, em que prevalece o primado indispensável da alegria de viver. Assim foram escolhidos cinco artistas para ilustrar os detalhes fascinantes de cada história: Bel Borba, Calasans Neto, J. Cunha, Murilo e Sérgio Rabinovitch.
"Cinco histórias", de Jorge Amado, dá permanência a narrativas que haviam sido publicadas antes em jornais e revistas. O volume sai com prefácio de Myriam Fraga, diretora executiva da Fundação Casa de Jorge Amado. Coordenação editorial e de editoração eletrônica de Bete Capinan, revisão de Vera Rollemberg e design gráfico de Humberto Vellame.
Tribuna da Imprensa (RJ) 7/11/2006